quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Porque todos os dias são bons para ler Pessoa.


Em voz alta seguramente não, mas volta e meia releio passagens do livro que, desde há anos, tem lugar cativo na minha mesa de cabeceira.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Que assim seja.

Chorar em público.

Quando sair este jornal, a Maria João e eu estaremos a caminho do IPO de Lisboa, à porta do qual compraremos o PÚBLICO de hoje. Hoje ela será internada e hoje à noite, desde o mês de Setembro do ano passado, será a primeira vez que dormiremos sem ser juntos.

O meu plano é que, quando me expulsarem do IPO, ela se lembre de ir ler o PÚBLICO e leia esta crónica a dizer que já estou cheio de saudades dela. É a melhor maneira que tenho de estar perto dela, quando não me deixam estar. Mesmo ficando num hotel a 30 passos dela, dói-me de muito mais longe.

O IPO consegue ser uma segunda casa. Nenhum outro hospital consegue ser isso. Podem ser hospitais muito bons. Mas não são como uma casa. O IPO é. Há uma alegria, um humor, uma dedicação e uma solidariedade, bem-educada e generosa, que não poderiam ser mais diferentes da nossa atitude e maneira de ser - resignada, fatalista e piegas - que são o default institucional da nacionalidade portuguesa. É graxa? Para que tratem bem a Maria João? Talvez seja. Mas é merecida. Até porque toda a gente que os três IPO de Portugal tratam é tratada como se tivesse direito a todas as regalias. Há muitos elogios que, não obstante serem feitos para nos beneficiarem, não deixam de ser absolutamente justos e justificados.

Este é um deles. Eu estou aqui ao pé de ti. Como tu estás ao pé de mim. Chorar em público é como pedir que nada de mau nos aconteça. É uma sorte. É o contrário do luto. Volta para mim.

Miguel Esteves Cardoso, publicado n'O Público de 28.11.2011 e lida aqui.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Sem Ti.

E de súbito desaba o silêncio.
É um silêncio sem ti,
sem álamos,
sem luas.


Só nas minhas mãos
ouço a música das tuas.


Eugénio de Andrade

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O Inverno (árabe) do nosso descontentamento

Apesar do apoio da China e da Rússia (por interesses geopolíticos estratégicos?), um número cada vez maior de países tem condenado a violência exercida pelas forças de segurança e pelo exército do regime ditatorial da Síria contra o seu próprio povo. Os manifestantes, apesar da repressão, não desarmam. A comunidade internacional tem, até ao momento, evitado intervir directamente nesta luta. E o sinal mais forte até acabou por vir mesmo da Liga Árabe, que suspendeu a Síria da condição de membro, até que a violência contra os manifestantes anti-regime termine. Bashar al-Assad está, assim, cada vez mais isolado.

Em comum com as lutas travadas na Tunísia, no Egipto ou na Líbia, o que move o povo sírio é o desejo de liberdade, de colocar um ponto final no reinado mantido por opressores e torcionários. Estima-se que os mortos no conflito armado, que dura desde o início deste ano, ultrapassem em muito os 3.000.

Todavia, a questão síria tem contornos muito complexos, nomeadamente no que respeita ao peso político internacional dos seus – ainda – aliados (como a China e a Rússia), ao poder económico de outros dos seus apoiantes (como o Irão) e aos interesses de alguns dos seus agora opositores (como a Turquia). Por isso, e infelizmente, este conflito interno ameaça ser mais longo e duro do que aqueles que agitaram os seus vizinhos.

Contextualizando, o Oriente e o Norte de África estão, deste o final do ano passado, a braços com revoluções, protestos e manifestações populares. A renúncia de Ben Ali, na Tunísia, e de Hosni Mubarak, no Egipto, galvanizou os civis de diversos países à resistência e à luta, mais ou menos organizada, contra os regimes ditatoriais, a censura e a repressão que sofrem. Teve assim início a “Primavera Árabe”.

Já em Outubro, Muammar Khadafi foi morto a tiro, depois de ter sido capturado e torturado por rebeldes líbios, após largos meses de guerra civil. Nos dois primeiros casos, os “danos colaterais” (destruição das infra-estruturas vitais à economia dos países) foram relativamente baixos, quando comparados com o sucedido na Líbia.

Na Síria, são várias as organizações internacionais que, há meses, exigem que a comunidade internacional tome medidas concretas e eficazes contra o Governo sírio, tentando, deste modo, acabar com o que muitos apelidam de “atrocidades”, atingindo contornos de “crimes contra a Humanidade”. No entanto, e concretamente no que respeita à Organização das Nações Unidas, todas as tentativas de resolução apresentadas ao Conselho de Segurança foram, até ao momento, bloqueadas pela China e pela Rússia, dois fortes aliados do regime sírio.

Mas, enfim, estou convencida de que, seja pela fuga, por renúncia ou por morte, com maior ou menor apoio da comunidade internacional, uma coisa é inevitável: Bashar al-Assad acabará por ser afastado do poder. Até lá, tenho para mim que ainda assistiremos a muitas mais mortes, a muito mais destruição, a muitos mais crimes. A Síria será, no final de tudo isto, um país devastado, aniquilado, massacrado. Depois da “Primavera Árabe”, estamos prestes a assistir ao Inverno (árabe) do nosso descontentamento.

Publicado hoje, aqui.

imagem daqui.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Sinfonia da noite inquieta.

imagem de ucilito.
Os crepúsculos nas cidades antigas, com tradições desconhecidas escritas nas pedras negras dos edifícios pesados; as antemanhãs trémulas nas campinas alagadas, pantanosas, húmidas como o ar antes do sol; as vielas, onde tudo é possível, as arcas pesadas nas salas vetustas; o poço ao fundo da quinta ao luar; a carta datada dos primeiros amores da nossa avó que não conhecemos; o mofo dos quartos onde se arrecada o passado; a espingarda que ninguém hoje sabe usar; a febre nas tardes quentes à janela; ninguém na estrada; o sono com sobressaltos; a moléstia que alastra pelas vinhas; sinos; a mágoa claustral de viver… Hora de bênçãos tuas mãos subtis… A carícia nunca vem, a pedra do anel sangra no quase-escuro… Festas de igreja sem crença na alma: a beleza material dos santos toscos e feios, paixões românticas na ideia de tê-las, a maresia, à noite entrada, nos cais da cidade humedecida pelo arrefecer…

Magras, tuas mãos alam-se sobre quem a vida sequestra. Longos corredores, e as frestas, janelas fechadas sempre abertas, o frio no chão como as campas, a saudade de amar como uma viagem por fazer às terras incompletas… Nomes de rainhas
antigas… Vitrais onde pintaram condes fortes… A luz matutina vagamente espalhada, como um incenso frio pelo ar da igreja concentrado no escuro do chão impenetrável… As mãos secas uma contra a outra.

Os escrúpulos do monge que, no livro antiquíssimo encontra, nos algarismos absurdos, ensinamentos dos magos, e nas estampas decorativas os passos da Iniciação.

Praia ao sol a febre em mim… O mar luzindo a minha angústia na garganta… As velas ao longe e como andam na minha febre… Na febre as escadas para a praia… Calor na brisa fresca, transmarina, mare vorax, minax, mare tenebrosum — a noite escura lá longe para os argonautas e a minha testa a arder as caravelas primitivas…

Tudo é dos outros, salvo a mágoa de o não ter.

Dá a agulha a mim… Hoje faltam no seio de casa os seus passos pequenos e o não se saber onde ela está metida, tudo o que estará a lavrar com pregas, com cores, com alfinetes. Hoje as suas costuras estão fechadas para sempre em gavetas de correr na cómoda — supérfluas — e não há o calor de braços sonhados à roda do pescoço da mãe.

Bernardo Soares, O Livro do Desassossego.

Lema do dia.

imagem daqui.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O porquê das coisas.

Pablo Picasso, Almoço sobre a erva inspirado na obra de Manet (1960)
Quando se pergunta por que é que determinado retrato de Picasso está verde, às vezes é porque o encarnado se tinha acabado.
Não vale a pena ir mais longe.

António Lobo Antunes, Entrevistas com António Lobo Antunes - Confissões do trapeiro, pág. 191.

Definições.

Scarlett Johansson, vista aqui.

Anatomia é uma coisa que os homens também têm, mas que, nas mulheres, fica muito melhor.

Millôr Fernandes

Here we go again.

domingo, 20 de novembro de 2011

Wish list.

Promessas.


 Lembrei-me que, na igreja, quando me casei, tinha prometido a Deus estar com o Bob nas horas boas e nas horas más. Mas nas horas indiferentes? O que é que Deus nos pede para as horas indiferentes que são quase todas?

António Alçada Baptista, O Riso de Deus.

Escolhas.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Colhe

Colhe
todo o oiro do dia
na haste mais alta
da melancolia.

Eugénio de Andrade


quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A petulância da Lua.

Era uma vez uma Lua presunçosa, que se julgava a grande descobridora do caminho celeste para o sexo. Sempre que observava um par de namorados a fazer amor ao luar, inchava de vaidade e espicaçava o vendo para que expulsasse do céu alguma nuvem mais afoita que pudesse tapar-lhe a visão e o triunfo. Com o passar do tempo e o aumento da arrogância da Lua, se tornou cada vez mais freqüente que a aparição do amor redundasse numa zoaria entre a Lua, o vento e as nuvens, produzindo uma agitação tal que acabava por enxotar também os amantes, lá na Terra, resfriados. Inocentes, científicos, os amantes, cada vez mais maltratados pelos elementos, queixavam-se da poluição e do aquecimento global. Nos dias sem luar, as estrelas julgavam-se donas do sexo dos homens – mas perto do mar, sofriam ainda da forte competição de um coro de sereias que, embora velhinhas, trôpegas, roucas de tantos séculos a desviar marinheiros, mantinham um travo erótico na voz que levava os amantes a se imaginarem no Paraíso, e elas a se pretenderem as únicas e genuínas descobridoras do caminho marítimo para o sexo. Uma delas assustou certa vez um par enlaçado, que, olhado as ondas, a enxergou, de cabeleira desgrenhada e com uma venda de pirata num olho. Tratava-se de uma recordação sentimental de um pirata particularmente garboso – mas as outras sereias não quiseram saber de sentimentos e aposentaram-na compulsivamente, enviando-a para um museu, nas profundezas do oceano.
No fundo, a petulância da Lua não era mais do que uma conseqüencia do desamor do Sol por ela, que se punha a fugir mal a via aproximar-se. Também o amor dos seres humanos pela Lua e pelas estrelas é fruto da enorme distância que os separa. Talvez por isso, é infinito. Como o sexo.

Inês Pedrosa, A Eternidade e o Desejo.

Proibições.

Lucien Freud, Auto-retrato.

Não me pergunte quem sou
e não me peça para permanecer o mesmo.

Michel Foucault

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Paraíso


Deixa ficar comigo a madrugada,
para que a luz do Sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.

Arranja uma pianola, um disco, um posto,
onde eu ouça o estertor de uma gaivota...
Crepite, em derredor, o mar de Agosto...
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!

Depois, podes partir. Só te aconselho
que acendas, para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito...

Podes partir. De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso.


David Mourão Ferreira

Ditos.


imagem daqui.
Há homens que estão na vida como se estivessem de partida. Têm pressa e querem o dia seguinte. Outros trazem um cansaço vago, querem silêncio e água fresca: são os homens que estão na vida como se estivessem de regresso.


Ivone Costa, aqui.

Dia de chuva.

imagem daqui.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Dia de frio...

imagem de Jean-Sébastien Monzani
... por fora e por dentro.

domingo, 13 de novembro de 2011

Poema à Mãe
















No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...


Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.


Eugénio de Andrade

[Porque a Senhora minha Avó hoje está de parabéns. E as avós são Mães duas vezes. Parabéns, minha querida.]

Domingo de manhã.

sábado, 12 de novembro de 2011

A banda sonora da minha noite...



Because home is where your heart is.

Another summer day
Has come and gone away
In Paris and Rome
But I wanna go home
Mmmmmmmm

May be surrounded by
A million people I
Still feel all alone
I just wanna go home
Oh, I miss you, you know

And I’ve been keeping all the letters that I wrote to you
Each one a line or two
“I’m fine baby, how are you?”
Well I would send them but I know that it’s just not enough
My words were cold and flat
And you deserve more than that

Another aeroplane
Another sunny place
I’m lucky, I know
But I wanna go home
Mmmm, I’ve got to go home

Let me go home
I’m just too far from where you are
I wanna come home

And I feel just like I’m living someone else’s life
It’s like I just stepped outside
When everything was going right
And I know just why you could not
Come along with me
'Cause this was not your dream
But you always believed in me

Another winter day has come
And gone away
In even Paris and Rome
And I wanna go home
Let me go home

And I’m surrounded by
A million people I
Still feel all alone
Oh, let me go home
Oh, I miss you, you know

Let me go home
I’ve had my run
Baby, I’m done
I gotta go home
Let me go home
It will all be all right
I’ll be home tonight
I’m coming back home...

Receita terapêutica.

In Memoriam.




A 12 de Novembro de 1991, o que era uma simples procissão no Cemitério de Santa Cruz, em Dili, Timor Leste, transformou-se numa manifestação pela independência de um povo e num massacre vergonhoso.
Foram mortos 271 timorenses; os nomes deles, aqui.

imagens daqui.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Verão de S. Martinho.

Tu que fumas

Adiro ao grande segredo da pedra, ao
prumo inteiro da sua própria sombra.
Brando, revejo a solar rotunda dos teus ombros
e (repito) há pedra sobre pedra, inicialmente.
És tu, portanto. Tu que dizes, Tu
que sopras as coisa, tu que fumas.

A todos direi que já sabia, mas é sempre
a remodelar lembrança a dar-me sangue.
Só que nem sempre, é isto, de algo serve:
pois que veias, mais do que intenção?
e que largura imensa só nos olhos?
Fumo sem fogo, amor? Sinais?


Pedro Tamen

Os campos da Flandres.

Nos campos da Flandres crescem papoilas
Entre as cruzes que, fila a fila,
Marcam o nosso lugar; e no céu
As cotovias, ainda corajosamente a cantar, voam
Escassas, fazendo-se ouvir entre as armas abaixo.

,
Nós somos os Mortos.
Há poucos dias atrás
Vivíamos, sentíamos o amanhecer, éramos amados; agora repousamos
Nos campos da Flandres.


Tomem a nossa guerra com o inimigo
A vós entregamos, das nossas mãos moribundas,
A tocha; que seja vossa, para que a mantenhais ao alto.
Se traírdes a nossa fé, dos que morremos,
Jamais dormiremos, ainda que cresçam papoilas
Nos campos da Flandres.


John McCrae
[tradução pessoal a partir do inglês]


Todos os cemitérios da Commonwealth têm uma Pedra da Lembrança e em todas elas está inscrita
a expressão difundida por Rudyard Kipling: Os seus nomes viverão para sempre.



Comemora-se hoje o Dia do Armistício (também conhecido por Dia da Lembrança, Dia da Memória ou Dia da Papoila), considerado como o fim simbólico da Primeira Guerra Mundial. Recorda-se o Armistício de Compiègne, assinado a 11 de Novembro de 1918 entre os Aliados e o Império Alemão, dentro de uma carruagem de um comboio na floresta de Compiègne, em França, com o objectivo de findar as hostilidades na frente ocidental. Este documento produziu os seus efeitos à "undécima hora do undécimo dia do undécimo mês”.

A papoila simboliza os soldados que perderam a sua vida em combate na Primeira Guerra Mundial e é o símbolo de uma campanha de solidariedade que nasceu do poema de John McCrae (um médico do contingente canadiano estacionado na frente de batalha belga), escrito no campo de batalha em Maio de 1915, depois da morte de um dos seus amigos, o tenente Alexis Helmer, uma da vítimas da segunda batalha de Ipres. O poema foi publicado meses depois na revista inglesa Punch, sob o título “Os Campos da Flandres”, tendo alcançado rápida popularidade e aclamação unânime.

Friday morning.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Todos os muros vão cair

Há precisamente 22 anos (09 de Novembro de 1989) caiu o Muro de Berlim. Considerado como o símbolo maior da Guerra Fria – que opôs os Aliados (defensores do capitalismo) à URSS (apologista do socialismo, que acabaria, também ela, por ser extinta dois anos depois) –, foi derrubado depois de 28 longos anos de opressão, violência e divisão de mais de quatro milhões de nacionais de um mesmo país, detentores de uma mesma identidade.

A queda do Muro de Berlim representou muito mais do que o fim do comunismo. Evidenciou, sobretudo, a vontade de um povo em banir fronteiras artificiais, impostas, de cariz separatista. De facto, a tenacidade dos germânicos fez com que se tornasse real a queda deste muro que dividiu uma cidade a meio, separou casas, prédios, ruas, casais, famílias e amigos. Tinha 66,5 quilómetros de extensão, gradeamento eléctrico, valas para dificultar a sua passagem e 302 torres de vigia com guardas prontos a disparar à mínima tentativa de passagem não autorizada. E diz-se que 1.065 pessoas foram mortas na tentativa de o ultrapassar. São demasiados mártires deste período menos feliz da nossa História, a somar a tantos outros.
imagem de Leonor Barros, aqui.

Hoje, atenta a importância deste acontecimento, cerca 40 países de todos os continentes do Mundo guardam um pedaço do famigerado Muro de Berlim. No entanto, esta lembrança pouco mais é do que um simples “souvenir”. Assim como ainda existem partes do Muro de Berlim que permanecem de pé, tantos muros subsistem também, erguidos mundo fora, bem alto, que separam povos, culturas e ideologias e que violam os direitos fundamentais mais elementares. Três exemplos, apenas meros exemplos: o muro da Cisjordânia, construído em 2002, declarado ilegal pelo Tribunal Internacional de Justiça de Haia dois anos depois e que, apesar disso, se mantém de pé, símbolo de segregação a pretexto de razões de segurança; o muro que separa o México dos Estados Unidos da América, com cerca de 965 quilómetros, erguido em 1994 e que já fez mais de 6.000 vítimas mortais; o “muro” de água que isola, até hoje, Cuba do resto do mundo, mantendo os seus cidadãos reféns de uma ideologia castradora, autoritária e opressiva.

João Paulo II, em 1990, a propósito da queda do Muro de Berlim, escreveu que “[…] as liberdades fundamentais, que dão significado à vida humana, não podem ser reprimidas nem sufocadas por muito tempo”. Eu acredito nisto. Estou certa de que nenhuma divisão, seja ela física ou (meramente) virtual, pode impedir os seres humanos de pensar, questionar, lutar e querer. Mais tarde ou mais cedo, todos os muros vão cair.

Publicado hoje, aqui.

...

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Legenda.



Penso: talvez haja uma luz dentro dos homens, talvez uma claridade, talvez os homens não sejam feitos de escuridão, talvez as certezas sejam uma aragem dentro dos homens e talvez os homens sejam as certezas que possuem.

José Luís Peixoto

A ausência.


Para quem ama, não será a ausência a mais certa, a mais eficaz, a mais intensa, a mais indestrutível, a mais fiel das presenças?

Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido

Definições.

imagem vista aqui.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Canção da Alta Noite


Alta noite, lua quieta,
muros frios, praia rasa.

Andar, andar que um poeta
não necessita de casa.

Acaba-se a última porta.
O resto é o chão do abandono.

Um poeta, na noite morta,
não necessita de sono.

Andar... Perder o seu passo
na noite, também perdida.

Um poeta, à mercê do espaço,
nem necessita de vida.

Andar...- enquanto consente
Deus que seja a noite andada.

Porque o poeta, indiferente,
andar por andar - somente.
Não necessita de nada.

Cecília Meireles

[porque se comemoram hoje 110 anos do seu nascimento.]

domingo, 6 de novembro de 2011

A banda sonora da minha noite...

Palavras para a Minha Mãe

mãe, tenho pena. esperei sempre que entendesses
as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz.
sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente.

pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste
tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te
desculpa, mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente.

às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo,
a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia
mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz.

lê isto: mãe, amo-te.

eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não
escrevi estas palavras, sim, mãe, hei-de fingir que
não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não
as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes.


José Luís Peixoto, A Casa, a Escuridão

[Para a Senhora minha Mãe, que hoje está de parabéns.]




sexta-feira, 4 de novembro de 2011

É na escura folhagem do sono

É na escura folhagem do sono
que brilha
a pele molhada,
a difícil floração da língua.


Eugénio de Andrade

Fujam que vem aí a Alemanha.

1. Quando um náufrago resiste a todas tentativas de salvamento torna-se difícil salvá-lo. Poucas vezes tive uma convicção tão firme como a que tenho acerca do desastre que o referendo grego representaria para a Europa. Michael Hüther, economista do instituto germânico IW, comparou este passo a um “suicídio por ter medo da morte”. Só que a decisão de cometer suicídio é habitualmente individual. Neste caso concreto o suicida faria 16 reféns. De Maio de 2010 até hoje, Giorgios Papandreou teve oportunidades de sobra para realizar um referendo. Porquê agora? Não me venham com a tese da superioridade da “legitimidade democrática directa” do referendo sobre a legitimidade de um governo eleito democraticamente (sufragado para também tomar medidas difíceis e impopulares, depois de décadas de uma gestão ruinosa do país e de malabarismos financeiros de sucessivos governos).

2. Deixemo-nos de meias palavras: pretender devolver a palavra aos cidadãos sobre o novo plano de resgate, sem ter tido a amabilidade de informar os parceiros comunitários, e poucos dias depois de a Europa ter fechado um difícil acordo, é pouco sério, se formos benevolentes, ou é uma vil chantagem, se deixarmos cair os pudores politicamente corretos. Uma chantagem sobre uma população desesperada chamada a optar entre a peste e cólera, e sobre a Europa, que apesar de todas as hesitações, lançou a Atenas a bóia de salvação. Algo está podre quando se invoca a democracia para mascarar um estratagema de sobrevivência política. Onde estão a solidariedade e a responsabilidade gregas – que os gregos e a Europa em coro exigiram e exigem à chanceler alemã – para com os seus pares europeus? Mas Papandreou deu-se mal. Só chantageia Angela Merkel quem pode, e não quem quer.

3. Há muito, muito tempo, ainda a moeda única não era nascida, um ministro das Finanças alemão – Theo Waigel – disse: ” Der Euro spricht deutsch!”. Os factos – e os desvarios de várias nações do velho continente  encarregaram-se de desmentir o arquitecto do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Com o euro à beira do precipício, Berlim quer que este reaprenda a falar alemão. A lógica da chanceler, é simples: se nos temos de responsabilizar pelos nossos vizinhos, com o dinheiro dos contribuintes alemães, então temos de ter uma palavra a dizer sobre como é gasto. O susto europeu é merecido e até pode vir a ser profilático: só um euro alemão evitará a implosão da moeda única.
 
4. Vivendo na Alemanha há década e meia e tendo acompanhado de muito perto a ascensão política de Angela Merkel, continuo a ter dificuldades em perscrutar o que a faz mover. Surpreende-me por isso a quantidade de especialistas encartados em matéria “merkeliana” que vejo nos jornais europeus e nos portugueses, em particular. Assombro-me com os editorais exaltados, que se presumem de uma objectividade que não tem e que se limitam a sobrevoar os assuntos à luz dos preconceitos de quem os escreve. Prolifera nalguma opinião publicada um preocupante anti-germanismo alimentado de ressentimentos, tocando nalguns casos a infâmia.

Muito do que se diz e do que se escreve sobre a Alemanha assenta num profundo desconhecimento acerca do país e das enormes transformações que sofreu nos últimos vinte anos. Depois de uma década de apaixonados debates internos sobre a identidade nacional e a memória, que se seguiram à queda do Muro, a Alemanha começou a tomar – cada vez mais – decisões baseadas em considerações domésticas e em interesses económicos globais. Numa Alemanha normal a integração europeia deixou de ser raison d’État. Em vez de pedir tudo e aos berros à Alemanha – mais liderança, mais garantias – seria bom que se fizesse um esforço intelectualmente sério para conhecer e compreender a única potência europeia actual.

Nolens volens
será Berlim a determinar o rumo que a Europa irá tomar. Talvez valesse a pena ir pensando no assunto.

Helena Ferro de Gouveia, aqui e aqui.

Os Amantes de Novembro

Ruas e ruas dos amantes
Sem um quarto para o amor
Amantes são sempre extravagantes
E ao frio também faz calor

Pobres amantes escorraçados
Dum tempo sem amor nenhum
Coitados tão engalfinhados
Que sendo dois parecem um

De pé imóveis transportados
Como uma estátua erguida num
Jardim votado ao abandono
De amor juncado e de outono.


Alexandre O'Neill

Definições.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

A banda sonora da minha noite...


She can kill with a smile
She can wound with her eyes
She can ruin your faith with her casual lies
And she only reveals what she wants you to see
She hides like a child,
But she's always a woman to me

She can lead you to love
She can take you or leave you
She can ask for the truth
But she'll never believe you
And she'll take what you give her,
as long as it's free
Yeah, she steals like a thief
But she's always a woman to me

Oh, she takes care of herself
She can wait if she wants
She's ahead of her time
Oh, and she never gives out
And she never gives in
She just changes her mind

And she'll promise you more
Than the Garden of Eden
Then she'll carelessly cut you
And laugh while you're bleedin'
But she'll bring out the best
And the worst you can be
Blame it all on yourself
Cause she's always a woman to me

Oh, she takes care of herself
She can wait if she wants
She's ahead of her time
Oh, and she never gives out
And she never gives in
She just changes her mind

She is frequently kind
And she's suddenly cruel
She can do as she pleases
She's nobody's fool
And she can't be convicted
She's earned her degree
And the most she will do
Is throw shadows at you
But she's always a woman to me

Billy Joel

Still raining.

Pedaço de vida # 9

imagem vista aqui.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

As mãos

Que tristeza tão inútil essas mãos
que nem sempre são flores
que se dêem:
abertas são apenas abandono,
fechadas são pálpebras imensas
carregadas de sono.


Eugénio de Andrade

Legenda.



Para ele, agora ou ontem tudo era outrora, mundo alheio ou como tal. E desinteresse. O constante e desinteressado desinteresse do homem desabitado de pessoas e de lugares, de tempo e de sentimentos.

José Cardoso Pires