sexta-feira, 29 de junho de 2012

A história da humanidade.

Phillip lembrou-se da história do Rei do Oriente que, desejando conhecer a história da humanidade, recebeu de um sábio quinhentos volumes; ocupado com negócios de Estado, pediu-lhe que a condensasse. Ao cabo de vinte anos, o sábio voltou e a sua história ocupava agora apenas cinquenta volumes; mas o rei, já velho demais para ler tantos livros volumosos, pediu-lhe que a fosse abreviar mais uma vez. Passaram-se de novo vinte anos, e o sábio, velho e encanecido, trouxe um único volume com os conhecimentos que o rei procurara; este, porém, estava deitado no seu leito de morte, nem tinha mais tempo de ler sequer aquilo. Aí o sábio deu-lhe a história da humanidade numa única linha: "Nasceram, sofreram, morreram".

Somerset Maugham, A Servidão Humana.

Quadra ao São Pedro.

E no dia de São Pedro,
Dia de sol e calor,
Vieram os Santos juntinhos
Consagrar o nosso amor.

O silêncio.


Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,
e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,
quando azuis irrompem
os teus olhos
e procuram
nos meus navegação segura,
é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,
pelo silêncio fascinadas.

Eugénio de Andrade

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Para ti, Avô.




Seriam 82, hoje.
Parabéns, Avô.[ainda nos ouço, a todos. juntos e em coro.]

Coisas minhas.

Duas vezes se morre:
Primeiro na carne, depois no nome.
A carne desaparece, o nome persiste mas
Esvaziando-se de seu casto conteúdo
– Tantos gestos, palavras, silêncios –
Até que um dia sentimos,
Com uma pancada de espanto (ou de remorso?)
Que o nome querido já não nos soa como os outros.


Manuel Bandeira, Os Nomes.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Memórias.


Porque o verão chegou.


Para o fruto tende a flor,
para a tarde o amanhecer:
nada é eterno na terra
- salvo o mudar e o des-ser.

Mesmo o mais belo verão
há de em outono murchar:
tem paciência, folha, espera
vir o vento te buscar!

Faz teu papel sem teimar:
suceda o que suceder,
deixa o vento te arrancar
e em tua casa te deixar.


Herman Hesse

A caminho.


domingo, 24 de junho de 2012

Quadra ao São João.

Recebi um manjerico
Em noite de São João;
Ao saltar uma fogueira
Perdi o meu coração.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Quando eu nasci.

Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.


Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.


Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.


As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...


P'ra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe...


Sebastião da Gama


Ao meu F. que, há exactamente 4 anos,
fez o meu dia - e a minha vida - enormes.

4 anos.





O herdeiro faz hoje 4 anos. 4. Já passaram 4.


quarta-feira, 13 de junho de 2012

Quadra ao Santo António.

Em dia de Santo António,
Uma prece eu fui rezar
Ao meu santo padroeiro
Para um amor encontrar.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Vem sentar-te comigo...

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos).

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para o pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente.
E sem desassossegos grandes.

Fernando Pessoa

Manhã. De manhã.


segunda-feira, 11 de junho de 2012

A banda sonora da minha noite...



Trabalho de casa.


As amoras.

O meu país sabe a amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

Eugénio de Andrade, O outro nome da Terra.

Bons conselhos.


domingo, 10 de junho de 2012

Nesta hora.

Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda
Mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo

Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio
E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade

Meia verdade é como habitar meio quarto
Ganhar meio salário
Como só ter direito
A metade da vida

O demagogo diz da verdade a metade
E o resto joga com habilidade
Porque pensa que o povo só pensa metade
Porque pensa que o povo não percebe nem sabe

A verdade não é uma especialidade
Para especializados clérigos letrados

Não basta gritar povo é preciso expor
Partir do olhar da mão e da razão
Partir da limpidez do elementar

Como quem parte do sol do mar do ar
Como quem parte da terra onde os homens estão

Para construir o canto do terrestre
- Sob o ausente olhar silente de atenção –


Para construir a festa do terrestre
Na nudez de alegria que nos veste



Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Se conhecesses...


Se conhecesses o mistério imenso
Do céu onde agora vivo
Este horizonte sem fim,
Esta luz, que tudo reveste e penetra,
Não chorarias se me amas!
Estou absorvido no encanto de Deus,
Na Sua beleza sem fim...
Lembra-te dos bons momentos
Que vivemos juntos
E verás que a saudade também é presença.
Quando estiveres triste, infeliz, chama-me
E eu irei ajudar-te, consolar-te
E verás como é bom Ter um Amigo
do outro lado.
E quando chegar também a tua vez,
Não chorem os que ficam,
Porque não será um adeus,
Mas simplesmente um até à vista,
E Eu estarei lá para te receber...


Santo Agostinho

Feriado.


terça-feira, 5 de junho de 2012

Nunca são.


Nunca são as coisas mais simples que aparecem
quando as esperamos. O que é mais simples,
como o amor, ou o mais evidente dos sorrisos, não se
encontra no curso previsível da vida.
Porém, se nos distraímos do calendário, ou se o acaso
dos passos nos empurrou para fora do caminho habitual,
então as coisas são outras. Nada do que se espera
transforma o que somos se não for isso:
um desvio no olhar; ou a mão que se demora
no teu ombro, forçando uma aproximação dos lábios.


 Nuno Júdice

Aviso à navegação.


A banda sonora da minha noite...


segunda-feira, 4 de junho de 2012

Nenhum Olhar.

E o mundo acabou. Inexplicavelmente, ou sem uma explicação que possa ser dita e entendida. O mundo acabou, como num instante em que se fechassem os olhos e não se visse sequer o que se vê com os olhos fechados. As crianças morreram, os risos das crianças, espalhados no sol e nos sábados e em agosto, morreram. O mundo acabou como uma noite lançada do céu, e nunca mais se ouviram os risos das crianças, nunca mais foi sábado, nunca mais foi agosto, nunca mais houve sol. E isso que era a ausência do mundo não era mesmo uma ausência, não era sequer como o espaço vago onde uma pessoa que morreu costuma estar e se olha e existe quando se sente; não era nem mesmo uma ausência, porque não havia ninguém para a sentir. Era uma noite infinita que acumulava todo o medo de todas as noites desde a primeira noite do mundo. Mas também o medo não existia, porque não existia ninguém para o sentir. O lugar das árvores, as suas formas e os seus pensamentos tinham morrido. Os ribeiros, a água fresca, o som quase silencioso da água fresca, os ribeiros tinham morrido. Os campos largos, as ervas secas, as pedras perdidas no chão, toda a lonjura dos campos, o vento sobre a terra, as searas, os campos do tamanho do olhar, a terra tinha morrido. As casas, os muros caiados tinham morrido. Os pássaros, a meio de um voo, os seus piares no fim de tarde tinham morrido. Já não havia tardes, manhãs, noites. Nunca mais o dia se levantaria lentamente, com os olhos baços numa madrugada; nunca mais ninguém se sentaria a sonhar a calma num fim de tarde, nunca mais a noite vaguearia sobre as casas a cobri-las com a sua capa rasgada de estrelas. O mundo acabou e nem o tempo prosseguiu. Os minutos não passavam porque não existiam, como não existiam os momentos ou os olhares. O infinito era o infinito de não ser nem infinito, nem nada. A morte não existia no meio de todas as coisas mortas. Não existiam os cadáveres. Tinha morrido a memória da morte. As crianças morreram e isso, que era a única coisa pela qual valia a pena chorar, não era lamentado por ninguém, porque já não havia dor, já não havia lágrimas, já não havia olhos ou peito para chorar. […] O mundo acabou. E não ficou nada. Nem as certezas. Nem as sombras. Nem as cinzas. Nem os gestos. Nem as palavras. Nem o amor. Nem o lume. Nem o céu. Nem os caminhos. Nem o passado. Nem as ideias. Nem o fumo. O mundo acabou. E não ficou nada. Nenhum sorriso. Nenhum pensamento. Nenhuma esperança. Nenhum consolo. Nenhum olhar.

José Luís Peixoto, Nenhum Olhar.

sábado, 2 de junho de 2012

Regesso.

Patria, mi patria, vuelvo hacia ti la sangre.
Pero te pido, como a la madre el niño
lleno de llanto.
Acoge
esta guitarra ciega
y esta frente perdida.
Salí a encontrarte hijos por la tierra,
salí a cuidar caídos con tu nombre de nieve,
salí a hacer una casa con tu madera pura,
salí a llevar tu estrella a los héroes heridos.


Ahora quiero dormir en tu substancia.
Dame tu clara noche de penetrantes cuerdas,
tu noche de navío, tu estatura estrellada.


Patria mía: quiero mudar de sombra.
Patria mía: quiero cambiar de rosa.
Quiero poner mi brazo en tu cintura exigua
y sentarme en tus piedras por el mar calcinadas,
a detener el trigo y mirarlo por dentro.


Voy a escoger la flora delgada del nitrato,
voy a hilar el estambre glacial de la campana,
y mirando tu ilustre y solitaria espuma
un ramo litoral tejeré a tu belleza.


Patria, mi patria
toda rodeada de agua combatiente
y nieve combatida,
en ti se junta el águila al azufre,
y en tu antártica mano de armiño y de zafiro
una gota de pura luz humana
brilla encendiendo el enemigo cielo.


Guarda tu luz, oh patria!, mantén
tu dura espiga de esperanza en medio
del ciego aire temible.
En tu remota tierra ha caído toda esta luz difícil,
este destino de los hombres
que te hace defender una flor misteriosa
sola, en la inmensidad de América dormida.


Pablo Neruda