sexta-feira, 19 de outubro de 2012

In Memoriam.




A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
– Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? –

Manuel António Pina
(Sabugal, 18 de Novembro de 1943 – Porto, 19 de Outubro de 2012)




sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Das maravilhas da maternidade.

O herdeiro não quer adormecer  porque «no mundo dos sonhos acontecem coisas demasiado estranhas».

(não queria, o sono acabou por vencê-lo.)



Arriscamo-nos a ser outra Grécia

Normalmente, esta frase é dita por senhores de fato, protegidos pelo ecrã da televisão. Não estão nervosos, como os desempregados que gritam na rua ou à porta da fábrica, estão até bastante serenos; também não têm a cara pintada, nem estão a insultar ninguém, como aquela multidão de rapazes e raparigas que nunca conseguiram um emprego que durasse mais de três meses, estão compostos e falam com correcção. Vestem-se como pessoas sensatas, penteiam-se como pessoas sensatas, têm carros de cilindrada sensata a esperá-los no estacionamento.

Arriscamo-nos a ser outra Grécia.

E, no fundo, estão a dizer:

Vocês arriscam-se a transformar este país noutra Grécia.

Eles não fazem parte do "nós", eles estão a avisar-nos. Por eles, pela sua acção, este país nunca se tornaria noutra Grécia. Se assim fosse, eles não nos estariam a alertar, em tom professoral, em tom de quem sabe mais e melhor. Não são eles que estão em risco de ser uma nova Grécia, eles são apenas desinteresse e boas intenções. Somos nós, sem eles, que estamos em risco de ser outra Grécia.

A xenofobia dessa frase é desprezível. Utiliza a ignorância dos sentimentos mais rasteiros para justificar argumentos desonestos. Ao mesmo tempo, quer fazer pressupor que a Grécia está na atual situação económica porque o seu povo protesta.

Esses senhores, que até podem ter óculos, aliviam a sua consciência culpando os pobres da própria pobreza. Há bem pouco tempo, por exemplo, insurgiam-se contra o rendimento mínimo. Nunca se lhes ouviu uma palavra acerca dos paraísos fiscais.

Justificam a avareza mais reles, com a ideia de que a ajuda pública desencoraja os pobres de trabalhar, torna-os preguiçosos. Isto, com frequência, vindo da parte de pessoas que descendem de linhagens com muito a aprender acerca do que é o trabalho.

Neoliberais de merda. O Estado não deve meter-se na vida das grandes empresas ou dos bancos, a não ser para, à mínima dificuldade, lhes enfiar pazadas de dinheiro pela goela abaixo. Depois, se o Estado precisar seja do que for, não tem o direito de exigir nada. Não tem o direito de interferir na liberdade do mercado. Só tem direito de interferir na liberdade dos cidadãos.

Se calhar, temos de ser nós a ensinar-lhes que é o trabalho que cria riqueza e não aqueles que vendem o trabalho dos outros.

Arriscamo-nos a ser uma nova Grécia?

De cada vez que os portugueses saem à rua, voltam a casa com mais dignidade. Ao contrário do que aconteceu demasiadas vezes, as imagens de multidões demonstram que não está tudo certo, eles não têm legitimidade para tudo. Sobretudo, não têm legitimidade para fazer o oposto daquilo que disseram que iam fazer e, menos ainda, para serem lacaios de outros em que ninguém votou.

Ridículos: a anunciarem medidas antes de jogos de futebol, a esconderem-se no estrangeiro onde não comentam nada, a dizerem que temos o melhor povo do mundo. O mesmo povo que desrespeitam continuadamente.

Arriscamo-nos a ser uma nova Grécia?

Quando falam da Grécia nesse tom de xenofobia velada e cobarde, seria interessante perguntar-lhes qual é, afinal, o país que eles quem querem ser. Da mesma maneira que repetem que não querem ser gregos, seria bonito ouvi-los afirmar que querem ser alemães.

Então, talvez a xenofobia lhes caísse em cima. Talvez lhes fizesse bem sentir esse peso. Tenho curiosidade de ver quantos os seguiriam no dia em que tornassem explícitos os dois lados desse simplismo que coloca a Grécia e a Alemanha em polos opostos de uma guerra surda, em que um dos lados bombardeia o outro, diariamente, com humilhação.

A Grécia não é um país a evitar, os gregos não são um povo a evitar. Aqui, neste nosso país, há muitos que já são gregos porque estão desempregados e sem horizontes como tanta gente na Grécia, porque não sabem como pagar a casa ao banco, porque sofrem como tantos gregos. Quem tem verdadeiro medo de ser como os gregos são esses senhores de fato, protegidos, porque sabem que os seus homólogos da Grécia estão a ser vigiados, com pouca margem.

Seremos outra Grécia se tivermos sorte.

José Luís Peixoto, hoje, na Visão.




Prémio Nobel da Paz 2012 #2


The Norwegian Nobel Committee has decided that the Nobel Peace Prize for 2012 is to be awarded to the European Union (EU). The union and its forerunners have for over six decades contributed to the advancement of peace and reconciliation, democracy and human rights in Europe.

In the inter-war years, the Norwegian Nobel Committee made several awards to persons who were seeking reconciliation between Germany and France. Since 1945, that reconciliation has become a reality. The dreadful suffering in World War II demonstrated the need for a new Europe. Over a seventy-year period, Germany and France had fought three wars. Today war between Germany and France is unthinkable. This shows how, through well-aimed efforts and by building up mutual confidence, historical enemies can become close partners.

In the 1980s, Greece, Spain and Portugal joined the EU. The introduction of democracy was a condition for their membership. The fall of the Berlin Wall made EU membership possible for several Central and Eastern European countries, thereby opening a new era in European history. The division between East and West has to a large extent been brought to an end; democracy has been strengthened; many ethnically-based national conflicts have been settled.

The admission of Croatia as a member next year, the opening of membership negotiations with Montenegro, and the granting of candidate status to Serbia all strengthen the process of reconciliation in the Balkans. In the past decade, the possibility of EU membership for Turkey has also advanced democracy and human rights in that country.

The EU is currently undergoing grave economic difficulties and considerable social unrest. The Norwegian Nobel Committee wishes to focus on what it sees as the EU's most important result: the successful struggle for peace and reconciliation and for democracy and human rights. The stabilizing part played by the EU has helped to transform most of Europe from a continent of war to a continent of peace.

The work of the EU represents "fraternity between nations", and amounts to a form of the "peace congresses" to which Alfred Nobel refers as criteria for the Peace Prize in his 1895 will.

Oslo, 12 October 2012

O press release do Comité Norueguês, emitido hoje e lido aqui.


Prémio Nobel da Paz 2012

imagem daqui.

A importância da União Europeia no pós-guerra é indiscutível, no que respeita à manutenção da paz. O prémio é bem merecido. Mesmo que, nos dias que correm, a UE tenha perdido "a alma". (Robert Schuman deve estar a revolver-se na tumba...)




quarta-feira, 10 de outubro de 2012

10 de Outubro

A última década viu um progresso significativo em todo o mundo no sentido da abolição da pena de morte, mas permanecem desafios sérios até que a pena capital seja erradicada, afirma a Amnistia Internacional no 10.º Dia Mundial contra a Pena de Morte, a 10 de Outubro.

A campanha feita pela coligação global contribuiu para a decisão de 17 países de abolirem a pena de morte para todos os crimes desde que o primeiro Dia Mundial teve lugar em 2003, elevando para 140 o número de estados que aboliram a pena de morte na lei ou na prática – mais de 70 por cento dos países do mundo.

Embora haja menos estados que executam, um punhado - entre os quais os Estados mais poderosos como os EUA e a China – ainda levam a cabo execuções com uma regularidade alarmante.

“Em 2011, apenas 21 países levaram a cabo execuções – na altura do primeiro Dia Mundial Contra a Pena de Morte tinham sido 28 países. O facto de 17 países terem abolido a pena de morte para todos os crimes durante este período é sinal de progresso significativo,” disse Widney Brown, Diretora Sénior de Direito Internacional e Politica da Amnistia Internacional.

Apesar deste sucesso contra a pena de morte o caminho é longo e há muito trabalho a fazer para convencer os restantes governos a pararem esta prática de uma vez por todas.

Continuar a ler aqui. Para que não se esqueça.


sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O êxodo.


Não é só em Portugal. Não é só connosco.



«Esta vez voy a hablar de lo que ocurre en mi casa, y que refleja lo que con toda seguridad está ocurriendo en muchos otros hogares, porque en el día de hoy la verdad es que no puedo pensar en otra cosa.
Ayer me despedí de mi hija. Emigra en busca de un futuro que no ha podido encontrar en su país y que la sociedad, o sus padres, no le ha sabido dar.
Es extraordinariamente frustrante para un padre ver marchar a sus hijos, pero mantenerlos a costa nuestra no es opción porque supondría llevarles a una situación en la que quedarán atrapados sin futuro.»


O texto completo do Carlos M. Duarte pode ser lido aqui.



Manhã de sol.


quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Passa a palavra.

Há momentos de descontinuidade na percepção da realidade. Como a perda de gravidade acima de uma certa altitude ou o silêncio sepulcral quando se passa a velocidade do som. O "enorme aumento de impostos" de ontem parece um desses momentos. O momento em que se pára. O momento em que já nada se percebe. O momento em que as mil perguntas já não atravessam a barreira dos dentes. Pedem-nos tudo, explicam-nos pouco, prometem-nos nada. E nós, vamos à luta?


É uma ironia cruel: Portugal está a vencer a batalha dos mercados no mesmo passo em que perde a batalha do país. Somos louvados, ganhámos um ano, temos as taxas de juro mais baixas desde o início da intervenção externa. E no entanto, estamos sobre um abismo em cima de cordões de sapatos.

O "aumento brutal de impostos" é uma resposta desesperada de um Governo cuja estratégia falhou e que não teve criatividade nem se preparou para outras medidas. Perante a derrapagem do défice, Passos Coelho perdeu o tino e anunciou a medida estupidamente inteligente da taxa social única, que aniquilou a paz política e arruinou a paz social. Agora, o País está na esquina perigosa entre ser sucesso ou fracasso, Irlanda ou Grécia, singrar ou afundar-se na espiral recessiva. Perante o abismo, o Governo abriu a gaveta das possibilidades e tirou tudo de lá de dentro. Tudo. Caça com cão, com gato, com gão e com cato.

Este aumento de impostos é um grito. Não tem lógica, não tem política, não tem justiça, não tem estudos, não tem regras, não tem sequer coerência ideológica. É uma arma que metralha contra uma selva escura. Impostos, impostos, impostos. E é também uma súplica. Aos portugueses. Porque se as hipóteses de salvação são exíguas, elas serão nulas se o país estiver indisponível. Está o País disponível? Vamos "manter a coesão", como pede Vítor Gaspar?

Eis a grande questão. Saber se estamos para isto. Mais que na falta de criatividade nas medidas, mais que na falta de negociação externa, o Governo falha quando propõe um contrato aos portugueses com base numa única premissa: porque o País é deles. Nosso.

O Governo destratou os portugueses quando criou uma tropa de elite para tratar dos mercados e deixou vazia a cadeira da política, onde se fala ao povo. Agora, o Governo precisa do povo. Mas falha-lhe, não lhe dá o que povo exige. Merece. Precisa.

A mobilização do povo exige premissas simples. Exige que além dos aumentos de impostos haja cortes de despesa no funcionamento do Estado - e o Governo está um ano e meio atrasado nisso. Exige equidade nos cortes, mas as medidas contra os lóbis são tíbias e tardias. Sobretudo: exige um propósito, luz no fundo do túnel, exige confiança. Exige verdade.

Não basta tocar o clarim para que os portugueses voltem para dentro do barco de que foram expulsos com a TSU. Não é possível fazer uma convocatória de um povo mantendo-o na insegurança perpétua e na ignorância permanente.

Como se faz a convocatória de um povo mantendo-o desinformado quanto à vida do seu País e de cada uma das vidas que o habitam? Vítor Gaspar fez anúncios negros repletos de espaços em branco. É preciso preencher esses espaços em branco, há dados fundamentais desconhecidos. Quais são os novos escalões de IRS? Quem vai pagar mais e quanto mais? O que é preciso poupar hoje para compensar mais tarde? Acima de que valor um trabalhador da iniciativa privada perde mais do que um salário em 2013? Qual é o máximo que um funcionário público pode perder? E o mínimo que um pensionista pagará? Quanto se vai pagar de IMI? Que valor de salário vai sobejar depois do fim das deduções fiscais? Em Maio de 2014, quando chegar o acerto do IRS, que surpresas haverá? Como podemos acreditar que há equidade sem dados para percebê-lo? Quanto vão pagar as concessionárias de PPP, se é que vão? Qual é a taxa sobre transacções financeiras? Que "grandes lucros" de empresas vão ser tributados? Qual a dimensão da economia paralela? Como será cortada despesa do Estado em quatro mil milhões de euros, como a troika obriga? Vão despedir militares, polícias? Vão cortar prestações sociais, subsídio de desemprego? Quanto? A quem? Não é uma falácia dizer que os portugueses vão ficar melhor em 2013 do que ficariam com a TSU, quando muitos vão ficar pior que em 2012? Como havemos de acreditar que a economia "só" decresce 1% no próximo ano? O que nos garante que não entramos em espiral recessiva? Por que razão a receita fiscal não quebrará no próximo ano se quebrou neste? Quando acaba afinal esta crise? Em 2014? Em 2018? Em dois mil e nunca? Que ambição podemos ter? Que gerações têm esperança? Que legado deixaremos? Sem respostas, os portugueses não sabem sequer quanto dinheiro vão ter daqui a três meses, quanto mais se acreditam no País.

Faltam cortes de despesa. Não há medidas de incentivo ao crescimento. O aumento do IRS é enorme. A julgar pela incidência, é preciso ganhar cada vez menos dinheiro para ter um "rendimento alto" para o fisco. Estamos mais pobres, mas há cada vez mais ricos.

Há um batalhão de gente neste momento a lutar pelo País mesmo que parte dele não saiba fazê-lo. Cada português tem de decidir se acredita nisto. Se desiste, se se rebela. Ou se acredita, tira o sangue das pedras, paga impostos, luta pela sua vida e pela dos outros. Sim, é uma decisão cada vez mais individual. Porque está a tornar-se uma decisão de fé. Para ocupar com palavras os milhões de espaços em branco.

Pedro Santos Guerreiro, aqui.