sábado, 8 de dezembro de 2012

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Dia de Greve Geral.


Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento.
Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.

Bertolt Brecht

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

In Memoriam.




A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
– Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? –

Manuel António Pina
(Sabugal, 18 de Novembro de 1943 – Porto, 19 de Outubro de 2012)




sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Das maravilhas da maternidade.

O herdeiro não quer adormecer  porque «no mundo dos sonhos acontecem coisas demasiado estranhas».

(não queria, o sono acabou por vencê-lo.)



Arriscamo-nos a ser outra Grécia

Normalmente, esta frase é dita por senhores de fato, protegidos pelo ecrã da televisão. Não estão nervosos, como os desempregados que gritam na rua ou à porta da fábrica, estão até bastante serenos; também não têm a cara pintada, nem estão a insultar ninguém, como aquela multidão de rapazes e raparigas que nunca conseguiram um emprego que durasse mais de três meses, estão compostos e falam com correcção. Vestem-se como pessoas sensatas, penteiam-se como pessoas sensatas, têm carros de cilindrada sensata a esperá-los no estacionamento.

Arriscamo-nos a ser outra Grécia.

E, no fundo, estão a dizer:

Vocês arriscam-se a transformar este país noutra Grécia.

Eles não fazem parte do "nós", eles estão a avisar-nos. Por eles, pela sua acção, este país nunca se tornaria noutra Grécia. Se assim fosse, eles não nos estariam a alertar, em tom professoral, em tom de quem sabe mais e melhor. Não são eles que estão em risco de ser uma nova Grécia, eles são apenas desinteresse e boas intenções. Somos nós, sem eles, que estamos em risco de ser outra Grécia.

A xenofobia dessa frase é desprezível. Utiliza a ignorância dos sentimentos mais rasteiros para justificar argumentos desonestos. Ao mesmo tempo, quer fazer pressupor que a Grécia está na atual situação económica porque o seu povo protesta.

Esses senhores, que até podem ter óculos, aliviam a sua consciência culpando os pobres da própria pobreza. Há bem pouco tempo, por exemplo, insurgiam-se contra o rendimento mínimo. Nunca se lhes ouviu uma palavra acerca dos paraísos fiscais.

Justificam a avareza mais reles, com a ideia de que a ajuda pública desencoraja os pobres de trabalhar, torna-os preguiçosos. Isto, com frequência, vindo da parte de pessoas que descendem de linhagens com muito a aprender acerca do que é o trabalho.

Neoliberais de merda. O Estado não deve meter-se na vida das grandes empresas ou dos bancos, a não ser para, à mínima dificuldade, lhes enfiar pazadas de dinheiro pela goela abaixo. Depois, se o Estado precisar seja do que for, não tem o direito de exigir nada. Não tem o direito de interferir na liberdade do mercado. Só tem direito de interferir na liberdade dos cidadãos.

Se calhar, temos de ser nós a ensinar-lhes que é o trabalho que cria riqueza e não aqueles que vendem o trabalho dos outros.

Arriscamo-nos a ser uma nova Grécia?

De cada vez que os portugueses saem à rua, voltam a casa com mais dignidade. Ao contrário do que aconteceu demasiadas vezes, as imagens de multidões demonstram que não está tudo certo, eles não têm legitimidade para tudo. Sobretudo, não têm legitimidade para fazer o oposto daquilo que disseram que iam fazer e, menos ainda, para serem lacaios de outros em que ninguém votou.

Ridículos: a anunciarem medidas antes de jogos de futebol, a esconderem-se no estrangeiro onde não comentam nada, a dizerem que temos o melhor povo do mundo. O mesmo povo que desrespeitam continuadamente.

Arriscamo-nos a ser uma nova Grécia?

Quando falam da Grécia nesse tom de xenofobia velada e cobarde, seria interessante perguntar-lhes qual é, afinal, o país que eles quem querem ser. Da mesma maneira que repetem que não querem ser gregos, seria bonito ouvi-los afirmar que querem ser alemães.

Então, talvez a xenofobia lhes caísse em cima. Talvez lhes fizesse bem sentir esse peso. Tenho curiosidade de ver quantos os seguiriam no dia em que tornassem explícitos os dois lados desse simplismo que coloca a Grécia e a Alemanha em polos opostos de uma guerra surda, em que um dos lados bombardeia o outro, diariamente, com humilhação.

A Grécia não é um país a evitar, os gregos não são um povo a evitar. Aqui, neste nosso país, há muitos que já são gregos porque estão desempregados e sem horizontes como tanta gente na Grécia, porque não sabem como pagar a casa ao banco, porque sofrem como tantos gregos. Quem tem verdadeiro medo de ser como os gregos são esses senhores de fato, protegidos, porque sabem que os seus homólogos da Grécia estão a ser vigiados, com pouca margem.

Seremos outra Grécia se tivermos sorte.

José Luís Peixoto, hoje, na Visão.




Prémio Nobel da Paz 2012 #2


The Norwegian Nobel Committee has decided that the Nobel Peace Prize for 2012 is to be awarded to the European Union (EU). The union and its forerunners have for over six decades contributed to the advancement of peace and reconciliation, democracy and human rights in Europe.

In the inter-war years, the Norwegian Nobel Committee made several awards to persons who were seeking reconciliation between Germany and France. Since 1945, that reconciliation has become a reality. The dreadful suffering in World War II demonstrated the need for a new Europe. Over a seventy-year period, Germany and France had fought three wars. Today war between Germany and France is unthinkable. This shows how, through well-aimed efforts and by building up mutual confidence, historical enemies can become close partners.

In the 1980s, Greece, Spain and Portugal joined the EU. The introduction of democracy was a condition for their membership. The fall of the Berlin Wall made EU membership possible for several Central and Eastern European countries, thereby opening a new era in European history. The division between East and West has to a large extent been brought to an end; democracy has been strengthened; many ethnically-based national conflicts have been settled.

The admission of Croatia as a member next year, the opening of membership negotiations with Montenegro, and the granting of candidate status to Serbia all strengthen the process of reconciliation in the Balkans. In the past decade, the possibility of EU membership for Turkey has also advanced democracy and human rights in that country.

The EU is currently undergoing grave economic difficulties and considerable social unrest. The Norwegian Nobel Committee wishes to focus on what it sees as the EU's most important result: the successful struggle for peace and reconciliation and for democracy and human rights. The stabilizing part played by the EU has helped to transform most of Europe from a continent of war to a continent of peace.

The work of the EU represents "fraternity between nations", and amounts to a form of the "peace congresses" to which Alfred Nobel refers as criteria for the Peace Prize in his 1895 will.

Oslo, 12 October 2012

O press release do Comité Norueguês, emitido hoje e lido aqui.


Prémio Nobel da Paz 2012

imagem daqui.

A importância da União Europeia no pós-guerra é indiscutível, no que respeita à manutenção da paz. O prémio é bem merecido. Mesmo que, nos dias que correm, a UE tenha perdido "a alma". (Robert Schuman deve estar a revolver-se na tumba...)




quarta-feira, 10 de outubro de 2012

10 de Outubro

A última década viu um progresso significativo em todo o mundo no sentido da abolição da pena de morte, mas permanecem desafios sérios até que a pena capital seja erradicada, afirma a Amnistia Internacional no 10.º Dia Mundial contra a Pena de Morte, a 10 de Outubro.

A campanha feita pela coligação global contribuiu para a decisão de 17 países de abolirem a pena de morte para todos os crimes desde que o primeiro Dia Mundial teve lugar em 2003, elevando para 140 o número de estados que aboliram a pena de morte na lei ou na prática – mais de 70 por cento dos países do mundo.

Embora haja menos estados que executam, um punhado - entre os quais os Estados mais poderosos como os EUA e a China – ainda levam a cabo execuções com uma regularidade alarmante.

“Em 2011, apenas 21 países levaram a cabo execuções – na altura do primeiro Dia Mundial Contra a Pena de Morte tinham sido 28 países. O facto de 17 países terem abolido a pena de morte para todos os crimes durante este período é sinal de progresso significativo,” disse Widney Brown, Diretora Sénior de Direito Internacional e Politica da Amnistia Internacional.

Apesar deste sucesso contra a pena de morte o caminho é longo e há muito trabalho a fazer para convencer os restantes governos a pararem esta prática de uma vez por todas.

Continuar a ler aqui. Para que não se esqueça.


sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O êxodo.


Não é só em Portugal. Não é só connosco.



«Esta vez voy a hablar de lo que ocurre en mi casa, y que refleja lo que con toda seguridad está ocurriendo en muchos otros hogares, porque en el día de hoy la verdad es que no puedo pensar en otra cosa.
Ayer me despedí de mi hija. Emigra en busca de un futuro que no ha podido encontrar en su país y que la sociedad, o sus padres, no le ha sabido dar.
Es extraordinariamente frustrante para un padre ver marchar a sus hijos, pero mantenerlos a costa nuestra no es opción porque supondría llevarles a una situación en la que quedarán atrapados sin futuro.»


O texto completo do Carlos M. Duarte pode ser lido aqui.



Manhã de sol.


quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Passa a palavra.

Há momentos de descontinuidade na percepção da realidade. Como a perda de gravidade acima de uma certa altitude ou o silêncio sepulcral quando se passa a velocidade do som. O "enorme aumento de impostos" de ontem parece um desses momentos. O momento em que se pára. O momento em que já nada se percebe. O momento em que as mil perguntas já não atravessam a barreira dos dentes. Pedem-nos tudo, explicam-nos pouco, prometem-nos nada. E nós, vamos à luta?


É uma ironia cruel: Portugal está a vencer a batalha dos mercados no mesmo passo em que perde a batalha do país. Somos louvados, ganhámos um ano, temos as taxas de juro mais baixas desde o início da intervenção externa. E no entanto, estamos sobre um abismo em cima de cordões de sapatos.

O "aumento brutal de impostos" é uma resposta desesperada de um Governo cuja estratégia falhou e que não teve criatividade nem se preparou para outras medidas. Perante a derrapagem do défice, Passos Coelho perdeu o tino e anunciou a medida estupidamente inteligente da taxa social única, que aniquilou a paz política e arruinou a paz social. Agora, o País está na esquina perigosa entre ser sucesso ou fracasso, Irlanda ou Grécia, singrar ou afundar-se na espiral recessiva. Perante o abismo, o Governo abriu a gaveta das possibilidades e tirou tudo de lá de dentro. Tudo. Caça com cão, com gato, com gão e com cato.

Este aumento de impostos é um grito. Não tem lógica, não tem política, não tem justiça, não tem estudos, não tem regras, não tem sequer coerência ideológica. É uma arma que metralha contra uma selva escura. Impostos, impostos, impostos. E é também uma súplica. Aos portugueses. Porque se as hipóteses de salvação são exíguas, elas serão nulas se o país estiver indisponível. Está o País disponível? Vamos "manter a coesão", como pede Vítor Gaspar?

Eis a grande questão. Saber se estamos para isto. Mais que na falta de criatividade nas medidas, mais que na falta de negociação externa, o Governo falha quando propõe um contrato aos portugueses com base numa única premissa: porque o País é deles. Nosso.

O Governo destratou os portugueses quando criou uma tropa de elite para tratar dos mercados e deixou vazia a cadeira da política, onde se fala ao povo. Agora, o Governo precisa do povo. Mas falha-lhe, não lhe dá o que povo exige. Merece. Precisa.

A mobilização do povo exige premissas simples. Exige que além dos aumentos de impostos haja cortes de despesa no funcionamento do Estado - e o Governo está um ano e meio atrasado nisso. Exige equidade nos cortes, mas as medidas contra os lóbis são tíbias e tardias. Sobretudo: exige um propósito, luz no fundo do túnel, exige confiança. Exige verdade.

Não basta tocar o clarim para que os portugueses voltem para dentro do barco de que foram expulsos com a TSU. Não é possível fazer uma convocatória de um povo mantendo-o na insegurança perpétua e na ignorância permanente.

Como se faz a convocatória de um povo mantendo-o desinformado quanto à vida do seu País e de cada uma das vidas que o habitam? Vítor Gaspar fez anúncios negros repletos de espaços em branco. É preciso preencher esses espaços em branco, há dados fundamentais desconhecidos. Quais são os novos escalões de IRS? Quem vai pagar mais e quanto mais? O que é preciso poupar hoje para compensar mais tarde? Acima de que valor um trabalhador da iniciativa privada perde mais do que um salário em 2013? Qual é o máximo que um funcionário público pode perder? E o mínimo que um pensionista pagará? Quanto se vai pagar de IMI? Que valor de salário vai sobejar depois do fim das deduções fiscais? Em Maio de 2014, quando chegar o acerto do IRS, que surpresas haverá? Como podemos acreditar que há equidade sem dados para percebê-lo? Quanto vão pagar as concessionárias de PPP, se é que vão? Qual é a taxa sobre transacções financeiras? Que "grandes lucros" de empresas vão ser tributados? Qual a dimensão da economia paralela? Como será cortada despesa do Estado em quatro mil milhões de euros, como a troika obriga? Vão despedir militares, polícias? Vão cortar prestações sociais, subsídio de desemprego? Quanto? A quem? Não é uma falácia dizer que os portugueses vão ficar melhor em 2013 do que ficariam com a TSU, quando muitos vão ficar pior que em 2012? Como havemos de acreditar que a economia "só" decresce 1% no próximo ano? O que nos garante que não entramos em espiral recessiva? Por que razão a receita fiscal não quebrará no próximo ano se quebrou neste? Quando acaba afinal esta crise? Em 2014? Em 2018? Em dois mil e nunca? Que ambição podemos ter? Que gerações têm esperança? Que legado deixaremos? Sem respostas, os portugueses não sabem sequer quanto dinheiro vão ter daqui a três meses, quanto mais se acreditam no País.

Faltam cortes de despesa. Não há medidas de incentivo ao crescimento. O aumento do IRS é enorme. A julgar pela incidência, é preciso ganhar cada vez menos dinheiro para ter um "rendimento alto" para o fisco. Estamos mais pobres, mas há cada vez mais ricos.

Há um batalhão de gente neste momento a lutar pelo País mesmo que parte dele não saiba fazê-lo. Cada português tem de decidir se acredita nisto. Se desiste, se se rebela. Ou se acredita, tira o sangue das pedras, paga impostos, luta pela sua vida e pela dos outros. Sim, é uma decisão cada vez mais individual. Porque está a tornar-se uma decisão de fé. Para ocupar com palavras os milhões de espaços em branco.

Pedro Santos Guerreiro, aqui.

sábado, 29 de setembro de 2012

Programa da noite.


5 anos.

Tarde de mimo.



Encosta-te a mim,
nós já vivemos cem mil anos
encosta-te a mim,
talvez eu esteja a exagerar
encosta-te a mim,
dá cabo dos teus desenganos
não queiras ver quem eu não sou,
deixa-me chegar.
Chegado da guerra, fiz tudo p´ra sobreviver
em nome da terra, no fundo p´ra te merecer
recebe-me bem, não desencantes os meus passos
faz de mim o teu herói, não quero adormecer.

Tudo o que eu vi,
estou a partilhar contigo
o que não vivi, hei-de inventar contigo
sei que não sei, às vezes entender o teu olhar
mas quero-te bem, encosta-te a mim.

Encosta-te a mim,
desatinamos tantas vezes
vizinha de mim, deixa ser meu o teu quintal
recebe esta pomba que não está armadilhada
foi comprada, foi roubada, seja como for.

Eu venho do nada, porque arrasei o que não quis
em nome da estrada, onde só quero ser feliz
enrosca-te a mim, vai desarmar a flor queimada
vai beijar o homem-bomba, quero adormecer.

Tudo o que eu vi,
estou a partilhar contigo o que não vivi,
um dia hei-de inventar contigo
sei que não sei, às vezes entender o teu olhar
mas quero-te bem, encosta-te a mim

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A banda sonora da minha noite.


Olha lá
Já se passaram alguns anos
Nem sequer vinhas nos meus planos
Saíste-me a sorte grande

E eu cá vou
Gozando os louros deste achado 
Contigo de braço dado para todo o lado 

Eu vou até morrer ser teu se me quiseres
Agarrado a ti vou sem hesitar
E se o chão desabar que nos leve aos dois
Vou agarrado a ti

Meu amor
Na roda da lotaria 
Que é coisa escorregadia
Saíste-me a sorte grande 

E eu cá vou
À minha sorte abandonado
Contigo de braço dado para todo o lado

Eu vou até morrer ser teu se me quiseres 
Agarrado a ti vou sem hesitar
E se o chão desabar que nos leve aos dois
Vou agarrado a ti

E olha lá
Por mais que passem os anos
Por menos que eu faça planos 
Sais-me sempre a sorte grande 

Agarrado a ti vou sem hesitar
E se o chão desabar que nos leve aos dois
Vou agarrado a ti vou sem hesitar 
E se o chão desabar que nos leve aos dois 
Vou agarrado a ti 
Vou agarrado a ti 
Vou agarrado a ti

De partida.


quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A banda sonora da minha noite.

Balada de Sempre.


Espero a tua vinda
a tua vinda,
em dia de lua cheia.



Debruço-me sobre a noite
a ver a lua a crescer, a crescer...



Espero o momento da chegada
com os cansaços e os ardores de todas as chegadas...



Rasgarás nuvens de ruas densas,
Alagarás vielas de bêbados transformadores.
Saltarás ribeiros, mares, relevos...
- A tua alma não morre
aos medos e às sombras!-



Mas...,
Enquanto deixo a janela aberta
para entrares,
o mar,
aí além,
sempre duvidoso,
desenha interrogações na areia molhada...


Fernando Namora

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Das maravilhas da maternidade.

Depois do:
- "mipopótamo" (hipopótamo); do
- "ninoceronte" (rinoceronte); do
- "paulinhovalente" (polivalente); do
- "dezazoito" (dezoito); do
- "autobatocarro" (autocarro) e 
de mais umas quantas, a última expressão preciosa do herdeiro é... 
- ginástica "rica" (rítmica)!

Recomeço.


terça-feira, 18 de setembro de 2012

In Memoriam.


Tu, a quem a vida pouco deu
que deste o nada que foi teu em gestos desmedidos.
Tu, a quem ninguém estendeu a mão
e mendigas o pão dos teus sentidos
Homem só, meu irmão.

Tu que andas em busca da verdade
e só encontras falsidade em cada sentimento
Inventa, inventa amigo uma canção
que dure para além deste momento
Homem só, meu irmão.

Tu, que nesta vida te perdeste
e nunca a mitos te vendeste,
dura solidão!
Faz dessa solidão teu chão sagrado,
agarra bem teu leme ou teu arado,
Homem só, meu irmão.

Luiz Goes

domingo, 16 de setembro de 2012

A banda sonora da minha noite.



Tenho.

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Álvaro de Campos, Tabacaria.

O povo saiu à rua num dia assim.

Avenida dos Aliados, Porto, 15 de Setembro de 2012
© Maria de Deus Botelho

Sabes, Avô, hoje fui até à Avenida dos Aliados, no Porto. Fui juntar-me a tantos que, como eu, não quiseram ficar em casa desta vez e preferiram ser parte activa nesta luta por um país mais justo, um país mais solidário. Éramos tantos, Avô… Um mar de gente, de todas as idades. Vi crianças da idade do teu bisneto que não chegaste a conhecer, vi velhos da idade que terias hoje se a vida não te tivesse levado antes do tempo. Cruzei-me com homens e mulheres que podiam ser meus pais, que seguramente sacrificaram tanto para darem aos filhos a educação que muitos deles não tiveram e que, agora, os vêem sair do país em busca de um futuro que, aqui, já não têm.

Estavam lá gerações inteiras, Avô. Pais que levavam os filhos e filhos que levavam os pais. Avós que se apoiavam nos netos e netos que estavam ali também pelos seus Avós. Todos em luta serena e pacífica.

Fomos pacíficos mas não fomos silenciosos. Ouviram-se cânticos, gritaram-se palavras de ordem; bateram-se palmas e lançaram-se assobios; cantou-se o Hino, Avô, A Portuguesa, que sempre te encheu o peito. Empunharam-se cartazes com dizeres mais ou menos criativos. Tudo feito por gente que se recusa a desistir, que renega a resignação, que insiste em lutar.

Hoje, Avô, eu fiz aquilo que me ensinaste toda a vida: ergui bem alto a cabeça e exigi os direitos por que tanto lutaste. Hoje, a minha voz também se fez ouvir, contra o exagero, contra o sacrifício desmesurado, contra o retrocesso. Hoje, fui verdadeiramente tua neta: um soldado na luta incessante por um futuro melhor, mais digno, mais verdadeiro.

Foi o começo, Avô. Será preciso muito mais, será necessário ser muito melhor. Mas hoje, Avô, eu fiz aquilo com que sonhei tantas vezes: eu comecei mesmo a mudar o mundo.

Se cá estivesses, provavelmente ter-me-ias pedido cautela; assim, vieste comigo e a tua voz foi a minha voz, a tua força foi a minha força. Foi quando te senti em mim que me lembrei do cântico que tantas vezes cantámos no jardim da casa da aldeia: “…o povo é quem mais ordena…”. Também se cantou, Avô. Bem alto, como deve ser. O povo saiu à rua. E fez-se ouvir.

Ainda ontem, no P3.

[À memória do meu Avô materno, José Francisco Botelho, que também fez de mim aquilo que eu sou hoje.]


sábado, 15 de setembro de 2012

O programa da tarde.


Que sopre o vento.


A banda sonora do nosso dia.


Tiveste gente de muita coragem 
E acreditaste na tua mensagem 
Foste ganhando terreno 
E foste perdendo a memória

Já tinhas meio mundo na mão 
Quiseste impor a tua religião 
E acabaste por perder a liberdade 
A caminho da glória

Ai, Portugal, Portugal 
De que é que tu estás à espera? 
Tens um pé numa galera 
E outro no fundo do mar 
Ai, Portugal, Portugal 
Enquanto ficares à espera 
Ninguém te pode ajudar

Tiveste muita carta para bater 
Quem joga deve aprender a perder 
Que a sorte nunca vem só 
Quando bate à nossa porta

Esbanjaste muita vida nas apostas 
E agora trazes o desgosto às costas 
Não se pode estar direito 
Quando se tem a espinha torta

Ai, Portugal, Portugal 
De que é que tu estás à espera? 
Tens um pé numa galera 
E outro no fundo do mar 
Ai, Portugal, Portugal 
Enquanto ficares à espera 
Ninguém te pode ajudar

Fizeste cegos de quem olhos tinha 
Quiseste pôr toda a gente na linha 
Trocaste a alma e o coração 
Pela ponta das tuas lanças

Difamaste quem verdades dizia 
Confundiste amor com pornografia 
E depois perdeste o gosto 
De brincar com as tuas crianças

Ai, Portugal, Portugal 
De que é que tu estás à espera? 
Tens um pé numa galera 
E outro no fundo do mar 
Ai, Portugal, Portugal 
Enquanto ficares à espera 
Ninguém te pode ajudar

Ai, Portugal, Portugal 
De que é que tu estás à espera? 
Tens um pé numa galera 
E outro no fundo do mar 
Ai, Portugal, Portugal 
Enquanto ficares à espera 
Ninguém te pode ajudar

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

A banda sonora da minha noite.

«Sábado começo a mudar o mundo.»

Há pouco menos de um ano (por ocasião das manifestações de 15 de Outubro de 2011), acreditava (e disse-o aqui) que, num momento como o que então vivíamos, a forma de ultrapassarmos as dificuldades não passava pela saída para a rua, não envolvia gritos de revolta (ainda que justamente a sentíssemos) nem palavras de ordem contra isto ou aquilo; naqueles tempos, considerava eu dever haver, de todos e de cada um de nós, um particular sentido de responsabilidade.

Passou quase um ano. Nesse entretanto, as nossas vidas foram verdadeiramente retalhadas. Baixaram-se salários, cortaram-se subsídios (que, em abono da verdade, eram componente da remuneração); aumentaram os impostos, a electricidade e os bens de primeira necessidade. Os combustíveis dispararam para preços absolutamente proibitivos.

As consequências destas medidas – consideradas necessárias e, apesar de tudo, relativamente aceites pelos portugueses – foram e são brutais: milhares de pessoas deixaram de poder pagar as suas casas ao Banco e ficaram sem um tecto onde viver; muito do tecido empresarial deste país parou de funcionar, apresentou-se à insolvência e deixou no desemprego todos os seus trabalhadores; inúmeras famílias deixaram de ter um espaço a que pudessem chamar seu e passaram a dividir a casa com os pais, os tios e os avós, para cortar nas despesas; o número de desempregados aumentou para valores nunca vistos – são muitos os casais que, hoje, não sabem como alimentar os seus filhos. A estabilidade profissional não existe. A pobreza, verdadeira, bateu à porta de muitos e está à espreita para outros tantos.

Apesar de tudo, até agora eu ainda via nos olhos dos que comigo se cruzam diariamente a centelha da esperança, a vontade de lutar, o desejo de ultrapassar as dificuldades. Agora, nem isso.

Na sexta-feira passada (7 de Setembro), o país foi confrontado com novas medidas de austeridade, a afectar os “do costume”. Medidas duras, que assentam numa (mais uma) significativa redução do rendimento disponível das pessoas.

Confrontada com a suposta inevitabilidade de tudo isto e com as desconfianças que todos temos em relação ao sucesso desta empreitada, uma pergunta persiste, desde então, em me inquietar: Que país, que futuro, que vida estou eu a construir para o meu filho?

É nele que penso. É a busca incessante daquilo que sonhei para ele (muito mais do que o que sonhei para mim própria) que me move, todos os dias, todas as horas, todos os minutos. Por isso, por ele mais do que por mim, não posso continuar apática e submissa. Chegou a hora. Li o “post” de Myriam Zaluar  no Facebook, que dizia: “Sábado começo a mudar o mundo”. Eu vou com ela.

A minha crónica de hoje, no P3.

E assim, sem me conhecer, ela fez com que eu me decidisse.

Ontem à noite, o meu filho, antes de se deitar, veio ter comigo e disse-me, com aquele ar gozão que eu conheço tão bem e que ele usa sem se dar conta para atenuar emoções demasiado intensas: "Mãe, estou muito orgulhoso de ti e dos teus amigos marginais que passam a vida a tentar mudar o país."

E eu, tantas vezes preguiçosa, tantas vezes displicente, eu que tantas vezes tenho vivido abaixo das minhas capacidades, eu, que tantas vezes tenho deixado a cozinha por limpar e o carro por aspirar, que tenho deixado textos para escrever amanhã, que tenho até chegado a pensar que mais vale arrumar as botas, eu verifico que nesta simples frase está tudo. Tudo.

O orgulho do meu filho. Da minha filha. Tudo o que eu quero. Tudo o que eu preciso. É por eles que saio à rua. Por eles continuo a levantar-me todas as manhās para trabalhar de olhos fechados num emprego que detesto e que nada tem a ver comigo. Por eles adio o meu sonho vezes sem conta. Por eles cometo a incoerência de prosseguir alimentando um sistema que abomino e que nos está a destruir, a mim, a eles e a ti que me lês, talvez.

Mas ele tem orgulho em mim, muito, foi o que ele disse. E eu orgulho-me que ele se orgulhe de mim. Que mais pode querer uma māe?

Que mais pode querer? Pode querer muito. Pode querer tudo. Menos que isso é desistir do mundo. É desistir da vida. E eu nāo desisto. Há quem queira, quem tudo faça para que eu desista, mas nāo, eu nāo. Os meus filhos merecem o mundo que eu sonhei. Eu mereço o mundo que sonhei. O que me foi prometido. Eles merecem crescer acreditando que vāo ser felizes, como eu cresci. Acreditando que vāo realizar os seus sonhos, como eu cresci. E para isso bater-me-ei todos os dias da minha vida.

Os meus amigos. O Luis que está na prateleira. O Joāo que foi despedido. O Miguel que queria ser actor e que todos os dias afoga a frustraçāo num mar de cerveja.
As minhas amigas. A Sara que está desempregada. A Rita que se mata a trabalhar. A Inês que queria montar um pequeno negócio. A Mariana que está doente e nāo pode parar para se tratar porque se o fizer nāo terá como dar de comer à filha.
Tanto talento, tanta energia desperdiçados. Tanta gente a viver abaixo, abaixo das suas expectativas, abaixo das suas necessidades, abaixo das promessas com que crescemos. Abaixo.

Marginais. É verdade. Somos marginais. Nāo queremos trabalhar. Nāo queremos trabalhar sem os direitos pelos quais morreram os nossos antepassados. Nāo queremos trabalhar até cairmos de exaustāo. Nāo queremos trabalhar até morrermos de velhos sem termos vivido. Nāo queremos trabalhar em ambientes podres, doentes, doentios, que nos cortam as asas, a criatividade, a motivaçāo. Nāo queremos trabalhar a troco de salários miseráveis, nem a troco de talões de supermercado. Nāo queremos trabalhar 60 horas por semana. Nāo queremos trabalhar para criar a riqueza com que os patrões se banqueteiam à nossa conta enquanto nós contamos os cêntimos. Nāo queremos só comida, queremos comida, diversāo e arte, queremos a imaginaçāo ao poder, queremos o descrescimento. Sim, somos marginais. Somos marginais porque pensamos à margem. Somos marginais porque somos mantidos à margem. Marginais porque as margens nos comprimem. Marginais mas nāo violentos. Apenas queremos mudar o país, disse ele. Mudar o mundo. Mudar.

Mudar. Mudar-nos. Mudar para dentro, mudar para fora. Mudar para melhor, porque para pior já basta assim. Mudar porque é possível. Porque é preciso. Porque é urgente. Porque é devido. Sábado saio à rua. Sábado começo a mudar o país. Sábado começo a mudar o mundo. Sábado reclamo a minha vida. A dos meus filhos. A dos meus pais. A dos meus amigos. A tua. Sábado deixo de ser marginal, deixo de ser margem, torno-me rio. Rio de multidāo lutando com a história na māo. Sábado quero encontrar-te. Vens?

da Myriam Zaluar, aqui.



terça-feira, 11 de setembro de 2012

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Liberdade, igualdade e fraterni… quê?


A história percebe-se melhor se contada na com uma pessoa: Cristina Dimitru passou 18 meses (entre 2005 e 2007) numa caravana em Nantes, sem água nem electricidade, sem acesso à escola ou ao mercado de trabalho, impedida de pedir um visto de trabalho. Persistente, lutou durante esse tempo contra um sistema pouco permeável a conceder uma oportunidade de vida. Em 2007, entrou directamente para o quarto ano de escolaridade, em Junho de 2011 obteve o certificado de aptidão pedagógica. Em Dezembro do mesmo ano, o Governo francês condecorou esta jovem de origem Romani com o título de melhor aluna de França. Em 2010, uma outra aluna com as mesmas raízes étnicas recebeu idêntico galardão.

Dois casos com um final feliz que, vistos isoladamente, dariam a ideia de que a terra dos sonhos existe, afinal, e é em França. Mas se alargarmos um pouco mais o “zoom”, vemos uma realidade bem distinta. Em Outubro de 2010, o Governo de Sarkozy expulsou inúmeras famílias ciganas, a troco de 300 euros, com o argumento de que estavam ilegais. Uma violação do Direito Comunitário, que proíbe perseguições baseadas em motivos religiosos ou étnicos. Nicolas Sarkozy foi duramente atacado pela comunidade internacional e perdeu a “guerra”. Então, a Comissária Europeia para a Justiça, Direitos Fundamentais e Cidadania, Viviane Reding, intimidou a França com punições e declarou: “Eu pensei que a Europa não seria mais testemunha deste tipo de situação depois da Segunda Guerra Mundial.”

imagem vista aqui.

Em Março deste ano, em plena campanha presidencial, François Hollande comprometeu-se a encontrar “soluções de realojamento” para os Roms: “Não podemos continuar a aceitar que famílias sejam perseguidas de um lugar e não haja solução.”

O certo é que uma circular interministerial emitida recentemente determina a aplicação “imediata” do fim das “ocupações ilícitas de terrenos”, ordenando aos governantes locais que “recorram à força pública” se necessário. A circular impõe, apesar disso, que seja assegurado “tratamento igual e digno a todas as pessoas em situação de perigo social”, através de medidas que promovam a inserção dessas mesmas pessoas (escolarização, saúde, emprego, abrigo).

A eleição de Hollande para o cargo de Presidente da República de França, em Maio último, fez com que boa parte da Europa suspirasse de alívio, por muitas razões. Sarkozy teve, na opinião dos franceses, demasiados desatinos políticos para que fosse reeleito e os “novos ventos” do socialismo voltaram ao poder na velha Gália. Mas se Hollande prometeu bater o pé às vontades da senhora Merkel, no que à economia diz respeito, mantém a intransigência de Sarkozi contra os Roms (ciganos). No último mês, foram já três os campos de Roms evacuados à força: Lille, Lyon e, agora, Ile-de-France à Evry, nos arredores de Paris, com a expulsão de cerca de 80 pessoas.



Hollande até pode estar a ser menos agressivo do que Sarkozy no tom e nos modos utilizados para desmantelar os acampamentos. Mas não deixa de continuar a violar o Direito Comunitário, de continuar a perseguir uma comunidade e, acima de tudo, de persistir no erro de tentar resolver a questão de forma populista. A História ensina que não é por serem atirados “borda fora” de um país que os povos deixam de procurar uma vida melhor, deixam de buscar a “sua” terra de sonho. Liberdade? Igualdade? Fraterni… quê? Pois. Era isso, era.

A minha crónica, publicada ontem no Público.