terça-feira, 24 de julho de 2012

Cartas a Um Jovem Poeta IV

«(…) Pouca coisa sabemos. Mas sempre sabemos que nos devemos ater ao que é difícil, e isso é uma certeza que nunca nos abandonará. É bom estar só, porque também a solidão resulta ser difícil. E algo que seja difícil deve ser para nós um motivo suplementar para o levar a cabo.

Também é bom amar, pois o amor é coisa difícil. O amor de um ser humano por outro: isto é, talvez, o mais difícil que já nos foi incumbido. É a prova suprema e derradeira, a tarefa final, ante a qual todas as outras não foram senão um ensaio. Por isso, não sabem nem podem amar ainda os jovens, que em tudo são principiantes. Hão-de aprendê-lo. Com todo o seu ser, com todas as forças reunidas em torno do coração solitário e angustiado que palpita alvoraçadamente – devem aprender a amar. Mas toda a aprendizagem é sempre um longo período de retiro e clausura. Assim, o amor é por muito tempo e até muito longe dentro da vida, solidão, isolamento crescido e aprofundado por aquele que se ama. Amar não é, em princípio, nada que possa significar absorver-se em outro ser, nem entregar nem unir-se a ele. Pois, o que seria uma união entre dois seres inacabados, falhos de luz e liberdade? Amar é antes uma oportunidade, um motivo sublime, que se oferece a cada indivíduo para amadurecer chegar a ser algo em si mesmo; para tornar-se um mundo, todo um mundo, por amor a outro.»

Rainer Maria Rilke, Cartas a Um Jovem Poeta [sétima carta, de 14 de Maio de 1904]

Férias.


segunda-feira, 23 de julho de 2012

Se isto é um homem.

Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas,
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece a paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não.
Considerai se isto é uma mulher,
Sem cabelo e sem nome
Sem mais força para recordar
Vazios os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa, andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entrave,
Que os vossos filhos vos virem a cara.

Primo Levi, Se isto é um Homem.

Férias.


domingo, 22 de julho de 2012

A dor da doença dos outros.

foto de Cile Bailey

O odor adocicado da tua doença pegava-se-nos ao corpo, entrelaçávamos os dedos encharcados na água salgada que nos corria dos olhos quando tu não estavas a ver.

Inês Pedrosa, Nas Tuas Mãos.

1 ano.


Férias.


sábado, 21 de julho de 2012

Reflexão total.

Recolhi as tuas lágrimas
na palma da minha mão,
e mal que se evaporaram
todas as aves cantaram
e em bandos esvoaçaram
em torno da minha mão.
Em jogos de luz e cor
tuas lágrimas deixaram
os cristais do teu amor,
faces talhadas em dor
na palma da minha mão.


António Gedeão



Férias.


sexta-feira, 20 de julho de 2012

Tu eras.

Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.

Pablo Neruda



As maravilhas da maternidade

Esta manhã, na praia, o herdeiro regressa entusiasmado de uma expedição feita com o Pai aos rochedos:
    - Mamã, apanhei imensos mexilhões!
    - Que bom, filho! E não trouxeste nenhuns para o nosso almoço?
   - Mamã: os mexilhões que nós comemos não vêm do mar - vêm do supermercado!


Férias.


quinta-feira, 19 de julho de 2012

Esquece-te de mim, Amor.

Esquece-te de mim, Amor,
das delícias que vivemos
na penumbra daquela casa,
Esquece-te.
Faz por esquecer
o momento em que chegámos,
assim como eu esqueço
que partiste,
mal chegámos,
para te esqueceres de mim,
esquecido já
de alguma vez termos chegado.

António Mega Ferreira



Férias.

Brigitte Bardot, foto de Slim Aarons.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Penélope.

Mais do que um sonho: comoção!
Sinto-me tonto, enternecido,
quando, de noite, as minhas mãos
são o teu único vestido.


E recompões com essa veste,
que eu, sem saber, tinha tecido,
todo o pudor que desfizeste
como uma teia sem sentido;
todo o pudor que desfizeste
a meu pedido.


Mas nesse manto que desfias,
e que depois voltas a pôr,
eu reconheço os melhores dias
do nosso amor.

David Mourão-Ferreira



Férias.


terça-feira, 17 de julho de 2012

Museu.

Aqui - como convém aos mortais -
Tudo é divino
E a pintura embriaga mais
Que o próprio vinho.


Sophia de Mello Breyner Andresen, O Nome das Coisas

Férias.


segunda-feira, 16 de julho de 2012

Um outro poema de amor

No fundo, as relações entre mim e ti
cabem na palma da mão:
onde o teu corpo se esconde e
de onde,
quando sopro por entre os dedos,
foge como fumo
um pequeno pássaro,
ou um simples segredo
que guardávamos para a noite.


Nuno Júdice, O Movimento do Mundo



Férias.


sábado, 14 de julho de 2012

Para a Teresa e para o Pedro.

De hoje em diante
Caminhareis lado a lado
Por toda a viagem da vida.
Dividireis as alegrias, os triunfos,
Mas também os momentos difíceis.
Sereis amigos, esposos,
Companheiros e confidentes.
Amai-vos acima de todas as coisas
E tende sempre respeito um pelo outro.
Este é o desejo mais profundo que, neste dia,
Habita em cada um dos nossos corações.



Dia de festa.



Manhã de mimo.


sexta-feira, 6 de julho de 2012

Chamo-Te.

Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio
E suportar é o tempo mais comprido.


Peço-Te que venhas e me dês a liberdade,
Que um só de Teus olhares me purifique e acabe.


Há muitas coisas que não quero ver.

Peço-Te que sejas o presente.
Peço-Te que inundes tudo.
E que o Teu reino antes do tempo venha
E se derrame sobre a Terra
Em Primavera feroz precipitado.


Sophia de Mello Breyner Andresen