quinta-feira, 31 de maio de 2012

Desmorrer. [Ou de como o amor, às vezes, vence até a morte.]

Desta vez, a Maria João teve sorte. Nunca tinha visto uma médica a chorar. Foi a Maria João que puxou as lágrimas, quando a Dra. Teresa Ferreira lhe disse que não havia mais metástases dentro dela. Ficámos os três a chorar e a olhar para os outros olhos a chorar.

A minha amada já tinha esquecido o futuro. Já não queria saber da casa nova, do tecido para forrar os sofás, do Verão seguinte. Estava convencida que estava cheia de metástases. Doía-lhe o corpo todo. Tinha desanimado. Estava preparada para a morte. Só a morte é mais triste. Tinha-se preparado para ouvir o que já sabia, para não se assustar quando lhe dissessem que o cancro na mama tinha voltado e que se tinha espalhado por toda a parte.

Depois - mas não logo, porque não é de um momento para o outro que se desmorre - voltou a ver vida pela frente. Reapareceu um horizonte e um caminho até lá, com passos para dar. "São tão raras as boas notícias", disse a médica, "e é tão bom dá-las, vocês não imaginam". Nós não imaginámos. Começámos a chorar. As lágrimas ajudam muito. As dos outros especialmente. Chorar sozinho não tem o mesmo efeito. A Maria João tem chorado por razões tristes. Desta vez estava a chorar de felicidade.

Como chora cada vez que ouve ou lê palavras doces, a dar força, a partilhar a dor, a juntar-se para que ela saiba que há muita gente a sofrer com ela, tal é a vontade delas que ela não sofra. Ou sofra pouco. Embora isto de se ficar vivo também se estranhe um bocadinho.

Miguel Esteves Cardoso, Público [30.05.2012]

quarta-feira, 23 de maio de 2012

In Memoriam.


Giovanni Falcone
(Palermo, 18 de Maio de 1939 - 23 de Maio de 1992, Capaci)

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Desejos.

Alice in Wonderland, Lewis Carroll.




Dúvida metódica.


Neste reino de Pacheco.


Às duas por três nascemos,
às duas por três morremos.
E a vida? Não a vivemos.



Quero viver (deixai-nos rir!)
seria muito exigir...
Vida mental? Com certeza!
Vida por de trás da testa
será tudo o que nos resta?
Uma ideia é uma ideia
- e até parece nossa! -
mas quem viu uma andorinha
a puxar uma carroça?



Se à ideia não se der
O braço que ela pedir,
a ideia, por melhor
que ela seja ou queira ser,
não será mais que bolor,
pão abstracto ou mulher
sem amor!



Às duas por três nascemos,
às duas por três morremos.
E a vida? Não a vivemos.



Neste reino de Pacheco
- do que era todo testa,
do que já nada dizia,
e só sorria, sorria,
do que nunca disse nada
a não ser p'ra galeria,
que também não o ouvia,
do que, por detrás da teste,
tinha a testa luzidia,
neste reino de Pacheco,
ó meus senhores que nos resta
senão ir aos maus costumes,
às redundâncias, bem-pensâncias,
com alfinetes e lumes,
fazer rebentar a besta,
pô-las de pernas pró ar?



Por isso, aqui, acolá
tudo pode acontecer,
que as ideias saem fora
da testa de cada qual
para que a vida não seja
só mentira, só mental...


Alexandre O'Neil

A banda sonora da minha noite...


domingo, 20 de maio de 2012

A vitória!


20.05.2012
Final da Taça de Portugal
Académica de Coimbra - 1 vs. 0 - Sporting Clube de Portugal

Hoje é o dia.


Em aquecimento.


Em aquecimento.


Em estágio.


Em estágio.


Em estágio.


Em estágio.


Sensações.


Súplicas.


terça-feira, 15 de maio de 2012

A banda sonora da minha noite...


Tarde de sol.


Quero.

Quero para mim o espírito desta frase,
transformada a forma para a casar com o que eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.

Fernando Pessoa

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Memórias.


Constatações.


A room without books is like a body without a soul.

Marcus Tullius Cicero

Poema para início de semana.


O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.


Fernando Pessoa, Autopsicografia.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

A nossa casa.

A nossa casa, Amor, a nossa casa!
Onde está ela, Amor, que não a vejo?
Na minha doida fantasia em brasa
Constrói-a, num instante, o meu desejo!

Onde está ela, Amor, a nossa casa,
O bem que neste mundo mais invejo?
O brando ninho aonde o nosso beijo
Será mais puro e doce que uma asa?

Sonho... que eu e tu, dois pobrezinhos,
Andamos de mãos dadas, nos caminhos
Duma terra de rosas, num jardim,

Num país de ilusão que nunca vi...
E que eu moro - tão bom! - dentro de ti
E tu, ó meu Amor, dentro de mim...


Florbela Espanca

Regresso.


In Memoriam.




Hoje, Portugal perdeu um dos seus mais brilhantes compositores. Ficamos (ainda) mais pobres.

Friday.


terça-feira, 8 de maio de 2012

Epigrama No. 8

Encostei-me a ti, sabendo bem que eras somente onda.
Sabendo bem que eras nuvem, depus a minha vida em ti.


Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino frágil,
fiquei sem poder chorar, quando caí.

Cecília Meireles

Legenda.


Los viejos, entre viejos, son menos viejos.

Gabriel García Márquez, El amor en los tiempos del cólera.

Tuesday.


segunda-feira, 7 de maio de 2012

Ditos.

(...) mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.

Julio Cortázar

Bucket list.


Monday.


domingo, 6 de maio de 2012

Poema à Mãe


No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...


Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.


Eugénio de Andrade

Definições.


Bons conselhos.


Dia da Mãe.


Dia da Mãe.


Dia da Mãe.

mãe,
cada palavra que me ensinaste repete mil vezes o teu nome.

José Luís Peixoto

sexta-feira, 4 de maio de 2012

O programa da noite.


Identidade

Preciso ser um outro
para ser eu mesmo


Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta


Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando
o sexo das árvores


Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro


No mundo que combato
morro
no mundo por que luto
nasço


Mia Couto

Friday look.


quinta-feira, 3 de maio de 2012

Uma prece. Pela Maria João.

Deus,

Bem avisaste que eras um Deus invejoso e vingativo. Também sei que Job era um caso-limite: uma ameaça do que eras capaz. Nem eu nem a Maria João temos um milésimo da obediência e da resignação de Job. E castigaste-nos menos. Mas foi de mais.

De certeza absoluta que nos amamos mais um ao outro do que te amamos a Ti. Sabemos que isto não está certo. Mas foste Tu que nos fizeste assim. Admite: deste-nos liberdade de mais. Foste presunçoso: pensaste que Te escolheríamos sempre primeiro. Enganaste-Te. Quando inventaste o amor, esqueceste-Te de que seria mais popular entre os seres humanos do que entre os seres humanos e Tu. Por uma questão de tangibilidade. E, desculpa lá, de feitio. Tu, Deus, tens o pior das arrogâncias feminina e masculina. Achas que só existes Tu. Como Deus, até é capaz de ser verdade. Mas, para quereres ser um Deus real e humanamente amado, tens de aprender a ser um amor secundário. Sabemos que és Tu que mandas e acreditamos que há uma razão para tudo o que fazes, mesmo quando toda a gente se lixa, porque não nos deste cabeça para Te compreender. Esta deficiência foi uma decisão tua: não quiseste dar-nos a inteligência necessária.
Mas deste-nos cabeça suficiente para Te dizer, cara a cara, que nos preocupamos mais com os entes amados do que contigo.

Ajuda a Maria João, se puderes. Se não puderes, não dificultes a vida a quem pode ajudar. Faz o que só um Deus pode fazer: reduz-te à tua significância. Que é tão grande.

Miguel Esteves Cardoso, no Público de hoje.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Freud explica.


Privamo-nos para mantermos a nossa integridade, poupamos a nossa saúde, a nossa capacidade de gozar a vida, as nossas emoções, guardamo-nos para alguma coisa sem sequer sabermos o que essa coisa é. E este hábito de reprimirmos constantemente as nossas pulsões naturais é que faz de nós seres tão refinados. Porque é que não nos embriagamos? Porque a vergonha e os transtornos das dores de cabeça fazem nascer um desprazer mais importante que o prazer da embriaguez. Porque é que não nos apaixonamos todos os meses de novo? Porque, por altura de cada separação, uma parte dos nossos corações fica desfeita. Assim, esforçamo-nos mais por evitar o sofrimento do que na busca do prazer.


Sigmund Freud