Sócrates voltou ontem à cena política. Regressou depois de quase dois anos e veio igual a si próprio: com o mesmo discurso, a mesma vitimização e a mesma interpretação truncada e manipulada da realidade.
Durante duas horas, Sócrates teve tempo para quase tudo: lamentou-se da crise internacional, que foi a única culpada da recessão portuguesa; criticou o Presidente da República, que acusou de criar conspirações para derrubar o seu Governo; apontou o dedo à oposição de direita, que rejeitou o que a Europa aprovou e forçou o país a pedir ajuda internacional; lastimou-se, com mágoa, da atitude do seu próprio partido, que permitiu que os opositores o atacassem; queixou-se dos jornalistas, que criaram cabalas sobre a sua vida privada e que mesmo ontem insistiram numa “narrativa” encomendada que o entrevistado, verdadeiro (e único) conhecedor da realidade e detentor da razão, foi forçado a “contraditar” várias vezes.
Pessoalmente, eu passaria bem sem Sócrates. Não lhe senti a falta neste tempo e não fiquei particularmente animada com este regresso. Até poderia ter seguido o conselho de alguns que, indignados com as petições on-line contra o regresso de José Sócrates, sugeriram que desligássemos a televisão; mas não. E ainda bem: enquanto via a entrevista, dei por mim a pensar que estes dois anos poderão ter-nos tirado muito (e tiraram demasiado!), mas deram à maioria de nós o conhecimento suficiente da realidade para não cairmos com tanta facilidade em engodos, sejam eles os de um mundo de fantasia ou os de um buraco negro.
José Sócrates continua manipulador, criativo nos seus artifícios e sempre fiel à velha máxima de que “a melhor defesa é o ataque”. Não respondeu a metade das perguntas que lhe foram feitas e, à outra metade, queixou-se de não lhe darem tempo para responder. Ao que parece, terá vindo mais culto; será provavelmente a única diferença que lhe reconheço. Tudo o resto, os portugueses já viram. E continuarão a ver, agora semanalmente.
Ontem, Sócrates pôs fim ao silêncio – assim denominaram a entrevista. Apresentou a sua defesa e contou-nos uma história, ainda que mal contada. Mas fez mais que isso. Ontem, Sócrates fez o seu discurso de tomada de posse. Não tenhamos ilusões: ele veio para ficar, mais presente do que nunca e sem pejo de qualquer espécie. Ontem, voltámos a ter um verdadeiro político em Portugal.
A minha crónica de ontem, no P3.