quinta-feira, 30 de junho de 2011

Ditos.


Não vemos as coisas como são: 
vemos as coisas como somos.

Anais Nin

Na esquina.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Gente.

Há pessoas que dizem mal dos nossos amigos à nossa frente, ou que dizem mal de nós à frente dos nossos amigos. É gente mal-educada. Há pessoas que dizem mal dos nossos «inimigos» à nossa frente, imaginando que temos inimigos, e acreditando que os inimigos dos nossos inimigos são nossos amigos. É gente mal informada. E há quem, com brutalidade mas sem dolo, diga mal, à nossa frente, de pessoas que nos foram importantes no passado. É gente incauta, lúdica, letal.

Pedro Mexia, aqui.


imagem vista aqui.


Uma Viagem à Índia


Vencedor  do "Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de  Escritores (APE) / Ministério da Cultura".

segunda-feira, 27 de junho de 2011

domingo, 26 de junho de 2011

Silêncio à mesa.


Partilham as refeições no mais absoluto silêncio. Assim acontece desde que se conheceram, há muitos anos.
O empregado de mesa aproxima-se e pergunta o que desejam. Não dizem nada, apontam para a ementa.
O funcionário, apesar de estranhar, acena com a cabeça e elabora uma vénia.
- Espero não incomodar, mas gostaria de lhe dizer uma coisa - diz um rapaz de porte distinto e testa inteligente, aparecido do nada. - Parece-me da mais elementar justiça fazê-lo - rematou.
O marido fita-o calmamente, embora um pouco incomodado com o desrespeito pelo silêncio que aprecia.
O rapaz relanceia os olhos à mulher e ruboresce, não de vergonha mas de cólera (ou talvez de ambas). Vira-se novamente para o marido.
- A sua esposa...
Pára, engasga-se. É-lhe visivelmente difícil comunicar a mensagem.
- A sua esposa tem um amante.
Noutra circunstância, com outros protagonistas, o silêncio do marido poderia ter sido interpretado como incredulidade, assombro, ou inclusive choque, todavia estávamos na presença de um homem peculiar - intransigente no que tocava a rituais antigos de família.
- E tenho como prová-lo.
Faz uma pausa.
- Até porque o amante sou eu.
Do bolso retira fotografias e outros objectos que atestam a sua afirmação. O marido observa as provas, faz que sim com a cabeça e desvia a atenção do rapaz.
Perante semelhante indiferença, o rapaz ruboresce novamente (agora de vergonha, definitivamente) e desaparece.
O marido sorri para a mulher, que assim volta a sentir o chão debaixo dos pés. Afinal, era muitos os anos de partilha e confiança, de entrega e amor - em suma, eram muitos os anos de casamento. Nada que um rapaz pudesse arruinar com um simples gesto.
Terminam a refeição, o marido paga a conta e saem do restaurante. O sorriso do marido mantém-se enquanto caminham lado a lado.
Nos minutos seguintes, várias coisas aconteceram: o trânsito tornou-se caótico, uma multidão reuniu-se num enorme círculo, polícias e médicos fizeram registos e tomaram diligências.
No centro de tanta confusão, uma mulher jaz estropiada na linha do metro de superfície. A composição varreu-a e nela apenas se distingue a boca, muito aberta, como se tivesse deixado uma frase a meio.
Entre a multidão, um homem segurando um papelinho com números observa em silêncio o desenrolar daquela história ruidosa.
Sorri. 

MAV, publicado aqui, lido aqui.

imagem de Narcisa Eichin.

Bom dia.

imagem vista aqui.

A banda sonora da minha noite...

sexta-feira, 24 de junho de 2011

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Ausência


Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.


Carlos Drummond de Andrade

3 anos.

terça-feira, 21 de junho de 2011

The importance of being kind.

Three things in human life are important:
- the first is to be kind;
- the second is to be kind;
- and the third is to be kind.

Henry James

Verão.

imagem de svghnsydn

sábado, 18 de junho de 2011

1 ano.


Um ano sem Saramago


ZÉ SARAMAGO NO ERA UN NIÑO VAGO
JUGABA SOLO NO CON LOS DEMÁS
Y CON EL TIEMPO SE VOLVIÓ UN GRAN MAGO
QUE HACE QUE PENSEMOS MÁS

Estas palavras, cantadas no México por Sofía Álvarez, grande actriz e contista, diante de cerca de duas mil crianças, foi o momento mágico do ano. Perguntava Sofía como era Saramago e as crianças respondiam que era «um mago que nos pôs a pensar». Os miúdos, que haviam visto a curta metragem A Maior Flor do Mundo e lido O Conto da Ilha Desconhecida, estavam no grande auditório, convidados pela Feira do Livro de Guadalajara, que também realizou sessões especiais sobre o escritor português e apresentou um livro onde homens e mulheres das letras elegeram o seu Saramago preferido e explicaram as razões da sua opção. «Porque soa bendito, como o mar», disse Ángeles Mastretta, que partilhava páginas com escritores dos dois lados do oceano. Era Novembro, era México, era a Feira que Saramago tanto visitou a que o recordava com esmero. Como já tinham feito outros países.

O primeiro ano sem Saramago começou às 11.30 do dia 18 de Junho de 2010, quando os médicos Gracia Lanzas e Domingo Guzmán se olharam e ela, após um leve assentimento do companheiro, pronunciou as palavras que ninguém na casa queria ouvir: «Hora da morte, 11 e 30». Aí começou a vida sem Saramago, embora Saramago continuasse a ser o centro de todos os passos, de todas as palavras e de todos os abraços, o centro do mundo para aqueles que já nada podiam fazer, nem acrescentar uma palavra, nem mostrar o sorriso que ficou adiado, nem sentir o apertar de mãos, gesto impossível, Saramago havia morrido e essa palavra – morte – é definitiva.

Nesse dia, a essa hora, começou também uma viagem diferente para os que haviam convivido com Saramago mas, apesar do terrível peso da realidade, que esmaga e de que maneira, os que rodeavam Saramago levantaram a cabeça, deixaram que as lágrimas corressem por dentro e fizeram o que estava combinado: viver também pelo ausente, tê-lo sempre no coração, no sangue, nos livros, nas conversas e nos brindes. Não morrerá de todo quem está tão presente na memória, disseram-se mutuamente e começaram a contar o tempo.

Um ano já sem Saramago. Como é possível, perguntar-se-ão alguns, se continua a publicar livros, se está nas conversas dos analistas políticos, se os jovens saem à rua com as suas frases escritas em cartazes ou em t-shirts, se há concertos de rock onde o aplaudem ou se organizam outros de música erudita em seu nome? Que estranha ausência é essa? Mas é estranha apenas para quem não compreendera o espírito transgressor de José Saramago, homem tímido e retraído que, no entanto, era audaz nas suas abordagens vitais, literárias e intelectuais, destemido até, que nunca baixou a cabeça, que sempre seguiu o seu caminho sem se preocupar com costumes ou modas, sem medir as consequências dos seus actos desde que estes não afectassem terceiros porque o respeito pelo outro, tratando-se de Saramago, era um dado adquirido. Sim, era um transgressor de todas as normas e convenções, por isso também o seu funeral seria diferente, porque diferente foi a sua vida.

O avião que transladaria o corpo de José Saramago chegou a Lanzarote perto da meia-noite do dia 18 para sair no dia seguinte de manhã, já com a sua carga singular, o caixão e os amigos mais próximos do escritor. Para se despedirem dele, a Fundação César Manrique convidou os ilhéus a que deixassem as suas casas e o trabalho, descessem à rua e lessem em voz alta fragmentos dos livros que Saramago escreveu em Lanzarote, de modo a que a última saída da ilha fosse acompanhada pelo eco da sua voz. Depois, quando o avião aterrou em Lisboa, outra surpresa aconteceu: pessoas erguendo livros, levantando-os do chão como Saramago havia levantado a vida de tantas pessoas humildes nas suas diversas ficções e, sobretudo, na sua escolha dilecta. Após a cerimónia na Câmara Municipal, o cortejo partiu para o cemitério. Ali foi o adeus definitivo, um grupo de pessoas dentro da sala do crematório celebrou o facto de ter partilhado a intimidade de um homem grande, enquanto lá fora havia um mar de livros e de cravos vermelhos, dois símbolos que engrandecem quem homenageia e quem é homenageado.

Horas mais tarde, no avião que levava a Madrid um grupo de amigos que viajaram até Lisboa para se despedirem de Saramago, tomou-se uma decisão que foi cumprida sem falhas: seguir o ritual estabelecido em O Ano da Morte de Ricardo Reis. Se a morte, segundo Saramago nesse livro, não é definitiva até que decorram nove meses, que são os que se levam para nascer, todos os dias 18, até Março, haveria que realizar encontros de celebração em lugares vários para ler Saramago e brindar pelo homem que deu personalidade à sua época. Em Granada cantaram-se poemas, ouviu-se no meio da neve o som de instrumentos renascentistas enquanto uma voz lia o discurso do Prémio Nobel: «O homem mais sábio que conheci não sabia ler nem escrever», e por uns instantes neto e avô assomaram por entre as oliveiras. Em Madrid apresentou-se o livro Saramago nas Suas Palavras, de Fernando Gómez Aguilera, e, para fazer suas estas palavras, personalidades do mundo da cultura, da universidade, da justiça, escritores e jornalistas acudiram ao encontro. O juiz Garzón, a actriz Aitana Sánchez Gijón, o compositor Emilio Aragón, o ex-presidente do Parlamento Europeu Enrique Barón, a pintora Sofía Gandarias e Pilar Manjón, porta-voz das vítimas do atentado terrorista de 11 de Março em Madrid, sublinharam com as suas vozes o que ao longo do tempo Saramago vinha dizendo. Seguiu-se Barcelona, com Paco Ibañez cantando. E em Lisboa, a cada dia 18, pela tarde, junto à Casa dos Bicos, leu-se e agradeceu-se a fortuna de ser compatriota de Saramago. Na Feira do Livro de Frankfurt e em Turim tiveram também lugar sessões celebrando a sua memória. A Feira de Sevilha foi dedicada integralmente ao autor de A Viagem do Elefante, livro escolhido para assinalar o quinquagésimo aniversário da Fundação Santillana, numa edição especial ilustrada por Manuel Estrada, e apresentada em Madrid com todas as honras.
 
E no Brasil: «Quantas vezes pode um homem enterrar o pai?», perguntou-se o editor brasileiro, e não pôde continuar nem responder a si mesmo porque as lágrimas lhe roubaram a voz e apenas os aplausos das pessoas encheram o tempo. Até que começou o espectáculo «Vozes de Mulher na Obra de Saramago», mulheres conversando para suster o mundo na sua órbita, um homem dizendo que assume essas vozes, Chico Buarque de seu nome, e esse mesmo espectáculo foi representado no Teatro das Belas Artes da Cidade do México, e será oferecido a 18 de Junho por uma cadeia de televisão nacional, precisamente quando em Portugal estiver a ser exibido José e Pilar, o filme que conta os últimos anos de Saramago, a sua relação com o mundo, as ideias que o preocupavam, o trabalho como motor diário, e sempre pensar, pensar, pensar... O filme mostra o que apenas os muito íntimos sabiam do autor de Memorial do Convento, do Evangelho segundo Jesus Cristo e de Caim. E dos dois livros de textos do blog, a sua bússola pessoal: «O blog vai iluminando o caminho do autor», dizia Saramago.

Neste primeiro ano sem Saramago continuaram a publicar-se os seus livros de acordo com o calendário estabelecido quando era vivo e falava com a sua agente e com os editores mais próximos. Anuncia-se para o Outono a publicação do seu segundo livro de juventude, Clarabóia, esse que dormiu o sono dos justos quase quarenta anos sem que Saramago recebesse resposta alguma e que, quando o jovem que o escreveu era já um homem maduro e havia publicado grandes livros, a editora quis dá-lo à estampa. Saramago disse que enquanto vivesse não seria publicado embora tivesse consciência de que o livro veria a luz do dia, porque é um presente que os leitores merecem. Aparecerão também em breve as páginas que tinha escritas de um romance complexo, tão difícil como necessário: Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas, um verso de Gil Vicente, uma outra forma que Saramago encontrou de ser a ponte entre os clássicos e os leitores contemporâneos, assim o seu Camões em Que Farei com Este Livro?, ou nas contínuas referências ao Padre António Vieira, a Pessoa, Almeida Garrett ou Eça, o inventor do romance moderno. Ou Raúl Brandão, Almada Negreiros, ou os seus contemporâneos, Jorge de Sena, Rodrigues Miguéis entre outros, autores de que a Fundação deve cuidar porque também nasceu para isto.

O ano sem Saramago foi especial para a Fundação que leva o seu nome. Ainda que não tenha nascido para contemplar o seu fundador, como ele mesmo deixou escrito na sua declaração de princípios, não pôde senão dedicar o seu tempo a agradecer manifestações de pesar, responder às mais diversas solicitações, partilhar demonstrações de afecto, manter a sua agenda apesar do desconcerto da morte. Por estes dias de Junho será anunciado o vencedor do Prémio de Fotografia «Retratar um Livro», fórmula simples de recuperar livros para a leitura, aplicando-lhes técnicas vanguardistas. Nome de Guerra, de Almada Negreiros, foi o livro proposto para a primeira edição do prémio. Seguir-se-á A Escola do Paraíso, de Rodrigues Miguéis, livro que nas palavras de Saramago deveria estudar-se nas escolas em vez do seu Memorial, porque os alunos conhecer-se-ão melhor ao saber de onde vêm, de que mundo, de que arte.

A Fundação compilou textos escritos por todo o mundo por altura de 18 de Junho passado, que serão editados pela Caminho com o título Palavras para José Saramago. A leitura desses textos dá uma imagem do que foi para a cultura, e não só, a morte de Saramago. Aí se verá o respeito – à excepção do órgão oficial do Vaticano – com que meios de comunicação de diferentes tendências acolheram a notícia porque, de acordo ou não com os seus princípios políticos, sabiam que havia morrido um homem honesto, «A voz dos sem voz», titulou um jornal basco. O livro, que sairá no dia 18, é também uma forma de agradecer: devolver os textos que nasceram para jornais e revistas em forma de livro é dar-lhes uma nova vida e é dizer aos seus autores que foram lidos, entendidos e acolhidos no coração.

Ao longo deste ano multiplicaram-se os actos de homenagem, as leituras, os concertos. O programa encerrará no Grande Auditório do CCB no dia 19 pela tarde, quando, por iniciativa da ministra da Cultura, se interpretará As Sete Últimas Palavras de Cristo na Cruz, de Haydn, com sete textos de José Saramago, escritos a convite de Jordi Savall e com concepção de cena de Teresa Villaverde, em estreia absoluta em Portugal. E na noite do dia 18, a SIC exibirá o filme José e Pilar que, à mesma hora, estará a ser projectado na Cinemateca Portuguesa, com a presença do realizador. E antes, ai!, as cinzas de José Saramago serão depositadas diante do rio, junto à Casa dos Bicos, frente ao lugar que iria ser o seu escritório e que não chegou a ver terminado. Outros o verão por ele, esse é o compromisso. Haverá uma oliveira de Azinhaga, a terra natal de Saramago, uma pedra em que se lerá o epitáfio que Saramago escreveu para Baltasar no Memorial do Convento: «Mas não subiu para as estrelas se à terra pertencia» e um banco, para que as pessoas possam sentar-se, ver passar os barcos que Saramago não verá, sentir a sua presença, ler umas páginas, talvez um poema, e saber que nem tudo está perdido.

Neste ano duro e agitado, de crise económica e de manifestações de jovens em Portugal e em Espanha, em que cidadãos de países do Norte de África se sublevaram contra sátrapas ou contra a economia de mercado que provoca o pânico nas pessoas e nas famílias, sentiu-se de forma especial a ausência de Saramago. Compensada, em parte, por leituras dos seus textos, os do Blog, os de Saramago nas Suas Palavras, os de Ensaio sobre a Lucidez, sobretudo. «Que diria Saramago sobre isto?», foi uma pergunta constante, embora ninguém possa interpretar Saramago, dizer se estaria eufórico, se sentiria medo ou se a esperança andaria no seu coração. Não o sabemos, não poderemos sabê-lo nunca. A única coisa que permanece clara são os seus escritos, também a sua biblioteca e a sua casa em Lanzarote, abertas a visita pública todas as manhãs, porque esse legado é demasiado grande para que não seja partilhado.

E assim, lendo os seus livros e recordando vivências decorreu um ano de ausências íntimas e de presença pública. Aproxima-se o aniversário do português que veio ao mundo para pôr nele um pouco de harmonia. E conseguiu. Por isso nestes dias o recordamos com a força de um amor primeiro.

Pilar del Rio, aqui.

In Memoriam.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

A banda sonora da minha noite...

IXI Governo Constitucional

Primeiro Ministro: Pedro Passos Coelho

Ministro das Finanças: Vítor Gaspar

Ministro dos Negócios Estrangeiros: Paulo Portas

Ministro da Defesa: José Pedro Aguiar-Branco

Ministro da Administração Interna: Miguel Macedo

Ministro da Justiça: Paula Teixeira da Cruz

Ministro dos Assuntos Parlamentares: Miguel Relvas

Ministro da Econonomia e do Emprego: Álvaro Santos Pereira

Ministro da Agricultura, Amb. e Ord. do Território: Assunção Cristas

Ministro da Saúde: Paulo Macedo

Ministro da Educação, Ensino Superior e Ciência: Nuno Crato

Ministro da Solidariedade e Segurança Social: Pedro Mota Soares

Sometimes.

We sometimes encounter people,
even perfect strangers,
who begin to interest us at first sight,
somehow suddenly, all at once,
before a word has been spoken.

Fyodor Dostoevsky



Recantos.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Consolo.

Se envelhecesses a meu lado, cedo perceberias
que nunca fui digno do teu rosto ou da tua ternura.
é isto que penso quando me lembro que partiste.


José Luís Peixoto, A Casa, a Escuridão.

Luxury.

terça-feira, 14 de junho de 2011

In Memoriam.


Habré de levantar la vasta vida
que aún ahora es tu espejo:
cada mañana habré de reconstruirla.
Desde que te alejaste,
cuántos lugares se han tornado vanos
y sin sentido, iguales
a luces en el día.
Tardes que fueron nicho de tu imagen,
músicas en que siempre me aguardabas,
palabras de aquel tiempo,
yo tendré que quebrarlas con mis manos.
¿En qué hondonada esconderé mi alma
para que no vea tu ausencia
que como un sol terrible, sin ocaso,
brilla definitiva y despiadada?
Tu ausencia me rodea
como la cuerda a la garganta,
el mar al que se hunde.


Jorge Luis Borges, Ausencia

[No 25.º aniversário da sua morte.]

loucura.











loucura -
loucura porque -
porque -
que palavra será -
loucura disto -
tudo isto -
loucura de tudo isto -
dado -
loucura dado tudo isto -
visto -
loucura visto tudo isto -
isto -
que palavra será -
isto isto -
isto isto aqui -
tudo isto isto aqui -
loucura dado tudo isto -
visto -
loucura visto tudo isto isto aqui -
porque -
que palavra será -
ver -
vislumbrar -
parecer vislumbrar -
precisar de parecer vislumbrar -
loucura porque precisar de parecer vislumbrar -
que -
que palavra será -
e onde -
loucura porque precisar de parecer vislumbrar que onde -
onde -
que palavra será -
ali -
ali mesmo -
além ali mesmo -
ao longe -
ao longe além ali mesmo -
a custo -
a custo ao longe além ali mesmo que -
que -
que palavra será -
visto tudo isto -
tudo isto isto -
tudo isto isto aqui -
loucura porque para ver o que -
vislumbrar -
parecer vislumbrar -
precisar de parecer vislumbrar -
a custo ao longe além ali mesmo que -
loucura porque precisar de parecer vislumbrar a custo ao longe além ali mesmo que -
que -
que palavra será -


que palavra será

Samuel Beckett

Thoughts.

 
Thoughts are the shadows of our feelings
— always darker, emptier, simpler.

Friedrich Nietzsche

segunda-feira, 13 de junho de 2011

123 Anos.


Fernando António Nogueira Pessoa
(Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935)
 [desenho de Almada Negreiros]

Dia de Santo António.



Enfim, que havemos de pregar hoje aos peixes? Nunca pior auditório. Ao menos têm os peixes duas boas qualidades de ouvintes: ouvem e não falam. Uma só cousa pudera desconsolar ao pregador, que é serem gente os peixes que se não há-de converter. Mas esta dor é tão ordinária, que já pelo costume quase se não sente. Por esta causa não falarei hoje em Céu nem Inferno; e assim será menos triste este sermão, do que os meus parecem aos homens, pelos encaminhar sempre à lembrança destes dois fins.

P.e António Vieira, Sermão de St.º António aos Peixes.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Antes das palavras gastas...

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos.
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário.
Era no tempo em que os meus olhos
eram os tais peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade:
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

vista aqui.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Legenda.



Aprender muitas coisas não importa, porque,
ao fim e ao cabo,
em toda a parte há sete cores e sete ventos,
e o homem é só um.

Agustina Bessa-Luís, A Sibila

terça-feira, 7 de junho de 2011

Pormenores.

imagem vista aqui.

Marcas que o tempo tece.

vista aqui.
 O que deixamos para trás
não é o que gravamos em monumentos de pedra, mas o que tecemos nas vidas dos outros.

Péricles

A banda sonora da minha noite...

sábado, 4 de junho de 2011

Dia de reflexão.

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer,
Ninguém sabe que alma tem,
Nem o que é mal, nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a hora!


Fernando Pessoa, Nevoeiro (Mensagem)

sexta-feira, 3 de junho de 2011

A banda sonora da minha noite...

To look and to see.

imagem de Rolland Flinta
 I wonder how many people
I’ve looked at all my life and never seen.

John Steinbeck, The Winter of Our Discontent

I want,

vista aqui

quinta-feira, 2 de junho de 2011

A sabedoria das crianças.

Ray, Uptown Girls (2003)

Chanson de la plus haute tour

imagem de Jean-Sébastien Monzani
Oisive jeunesse
A tout asservie,
Par délicatesse
J'ai perdu ma vie.
Ah ! Que le temps vienne
Où les coeurs s'éprennent.

Je me suis dit : laisse,
Et qu'on ne te voie :
Et sans la promesse
De plus hautes joies.
Que rien ne t'arrête,
Auguste retraite.

J'ai tant fait patience
Qu'à jamais j'oublie ;
Craintes et souffrances
Aux cieux sont parties.
Et la soif malsaine
Obscurcit mes veines.

Ainsi la prairie
A l'oubli livrée,
Grandie, et fleurie
D'encens et d'ivraies
Au bourdon farouche
De cent sales mouches.

Ah ! Mille veuvages
De la si pauvre âme
Qui n'a que l'image
De la Notre-Dame !
Est-ce que l'on prie
La Vierge Marie ?

Oisive jeunesse
A tout asservie,
Par délicatesse
J'ai perdu ma vie.
Ah ! Que le temps vienne
Où les coeurs s'éprennent !

Arthur Rimbaud

Vale!

Leonard Cohen ganha
Prémio Príncipe das Astúrias das Letras

imagem de  Nathan Wind (Cochese), no Flickr


Programa do dia.

Chegou no correio de ontem.
Hoje, parte comigo na carteira, para me alegrar ao almoço.
Companhia inseparável do início de todos os meses.
Insubstituível.