Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
(Poemas Inconjuntos, heterónimo de Fernando Pessoa)
Alberto Caeiro
quinta-feira, 16 de maio de 2013
quinta-feira, 2 de maio de 2013
Capa negra de saudade.
Houve um tempo em que, na primeira quinta-feira do mês de Maio de cada ano, por volta desta hora, eu me preparava para uma noite muito especial. Calçava, com muito cuidado, as meias pretas; enfiava a saia justa e apertava, um a um, os botões da camisa alva. Fazia, concentrada, o nó na gravata preta, vestia o casaco da mesma cor e calçava os sapatos de salto. Colocava a capa longa, pesada e cheia de memórias sobre os ombros. Pegava na pasta e batia a porta de casa, rumo ao primeiro de uma série de jantares típicos com amigos vestidos com os mesmos trajes.
Voltava a casa quando a "minha" Sé Velha já estava pejada de gente, furando e empurrando como podia para voltar a entrar em casa.
À meia-noite em ponto, debruçava-me na janela do meu quarto, sobre o largo cujo chão era um negro mar de gente, e fechava os olhos aos primeiros acordes das guitarras portuguesas. Respirava fundo, na ânsia de absorver todo aquele ambiente.
Por tudo o que ali vivi e também por essas noites, Coimbra faz parte de mim. E hoje, particularmente hoje, eu sou filha do Mondego.
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refúgios meus
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