Gosto de recordar as datas e os momentos felizes. São eles que me enchem o peito, é a sua memória que me alimenta os dias. No que te respeita, gosto de recordar o dia em que nasceste, os dias em que me levavas aos ombros, o dia tão falado até hoje em que me deixaste partir uma dúzia de ovos no chão da cozinha.
Há apenas uma excepção: o dia de hoje. Este dia ficou mais gravado em mim que o dia em que tu nos deixaste. Foi um dia claro aquele, estava sol, muito sol. Muita gente, muitos abraços, muitas flores. Gente demais, abraços demais; só as flores nunca são demais.
Dois dias antes, sem grande surpresa mas com a angústia inerente à inevitabilidade do momento, recebi a notícia de que te tinhas ido embora. Fugiu-me o chão debaixo dos pés. Senti-me perdida, sentimo-nos todos assim, sabes? Era muito cedo, havia ainda tanta coisa a fazer, tanto a dizer, e tu já cá não estavas. Ficou muito por completar: não chegaste a levar-me ao altar, não chegaste a dar a mão ao F., não chegaste a tê-lo nos braços.
A 13 de julho de 2006, precisamente a esta hora, começava o ritual da nossa despedida. Já te disse que estava um lindo dia de sol? E, ainda assim, o céu para mim estava negro, escuro como breu. Foi preciso subir a escada da dor e plantar no infinito a Estrela mais brilhante do universo. Aquela que o F. reconhece e sente como sua protetora. Aquela para a qual eu olho em busca de orientação, de auxílio, de consolo.
E é por isso, Avô, que eu gosto de recordar o dia em que te deixei.
imagem daqui. |
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