sexta-feira, 16 de setembro de 2011

De Olhos Abertos

E é por isso que, no fundo, não tenho por mim mesma mais do que um interesse limitado. Tenho a impressão de ser um instrumento através do qual passaram correntes, vibrações. Isto é válido para todos os meus livros e direi mesmo que para toda a minha vida. Talvez para todas as vidas; e os melhores de nós talvez não sejam, também eles, mais que cristais trespassados. Assim, a propósito dos meus amigos, vivos ou mortos, repito-me muitas vezes a frase admirável que me disseram ser de Saint-Martin, «o filósofo desconhecido» do século XVIII, tão desconhecido de mim que nunca li uma linha dele e nunca verifiquei a citação: «Há seres através dos quais Deus me amou.» Tudo vem de mais longe e vai mais longe que nós. Por outras palavras, tudo nos ultrapassa e sentimo-nos humildes e maravilhados por termos sido assim trespassados e ultrapassados.

Marguerite Yourcenar, De Olhos Abertos

[comprado ontem, iniciado hoje. a companhia
mais recente das horas que são só minhas.]

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