quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

mil estrelas.

mãe, eu sei que ainda guardas mil estrelas no colo.
eu, tantas vezes, ainda acredito que mil estrelas são
todas as estrelas que existem.



José Luís Peixoto

Mãe e Filho
(detalhe do quadro As Três Idades da Mulher)
Gustav Klimt (1905)

Pausa.

Quando leio.

Quando leio um livro, dá-me a ideia de que o leio com os meus próprios olhos, mas de vez em quando encontro uma passagem, ou talvez apenas uma frase, que tem significado para mim e que, por isso, passa a fazer parte de mim. Tirei do livro aquilo que me interessa e não vou tirar mais se ler o livro uma dezena de vezes.Veja bem, o que eu acho é que nós somos como uma flor em botão: a maior parte do que lemos ou fazemos não tem qualquer efeito sobre nós. Mas há certas coisas que têm um significado especial, e essas abrem uma pétala; e as pétalas vão-se abrindo uma a uma até finalmente surgir a flor.

Somerset Maugham, Servidão Humana.

Working day.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Legenda.



Tenho pensamentos que,
se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas,
nova beleza ao mundo e maior amor
ao coração dos homens.

Fernando Pessoa

Pedaço de vida # 10

Gostava.

Gostava de escrever hoje um belo poema, forte, quente, luminoso, escarolado, em louvor da vida. É que, sem saber porquê, respondi há bocado com palavras dum optimismo impressionante a um moço poeta que me exibia a sua decadência precoce. E doía-me a garganta nessa altura! Mas fui-lhe dizendo que qual morte ou qual cabaça! Vida! Vida conquistada em luta, como a do rebendo do milho que empurra, e consegue levantar o torrão e ver o sol. - Qual morte, homem de Deus! Você já viu por um acaso um pinheiro suicidar-se?
Gostava de escrever isto num belo poema.

Miguel Torga

Bom dia.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Eternity (for men).

imagem vista aqui.  
 Ela deu-me eternidade
em papel de aniversário
embora não fossem os meus anos.
Fez-me mal, agora
que o cheiro dela e o meu
já se tinham misturado.
Prenda de namorados, o símbolo
era ilusório,
e o amor acabou antes ainda
do frasco.

Pedro Mexia

Legenda.

imagem daqui.

Dale valor a las cosas, 
no por lo que valen,
sino por lo que significan.

Gabriel García Márquez


Working day.

And the winner is...

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Lua de Papel.

Se eu cantasse o amor sem resultado ou causa,
seria mais sensata: chegava-me uma lua de papel,
um par de braços lisos, conformados

Se eu cantasse o amor sem causa ou resultado,
tinha muito mais paz: fingida em luas-cheias,
seria mais sensata e decerto poeta bem melhor

Assim o que me resta é lua cheia a trans-
bordar de tridimensional. A paz a falhar toda
e eu resolvida em causa a insistir papel. E amor.

Ana Luísa Amaral

Com a tua letra.

Porque eu amo-te, 
quer dizer, estou atento
às coisas regulares e irregulares do mundo.
Ou também: eu envio o amor
sob a forma de muitos olhos e ouvidos
a explorar, a conhecer o mundo.

Porque eu amo-te, isto é, eu dou cabo
da escuridão do mundo.
Porque tudo se escreve com a tua letra.


Fernando Assis Pacheco

Domingo de manhã.







sábado, 25 de fevereiro de 2012

Princípios

Podíamos saber um pouco mais
da morte. Mas não seria isso que nos faria
ter vontade de morrer mais
depressa.


Podíamos saber um pouco mais
da vida. Talvez não precisássemos de viver
tanto, quando só o que é preciso é saber
que temos de viver.


Podíamos saber um pouco mais
do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar
de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou
amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada
sabemos do amor.


Nuno Júdice

Yes, they can.

Fim-de-semana.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A verdade.

A primeira diligência do espírito é a de distinguir o que é verdadeiro do que é falso. No entanto, logo que o pensamento reflecte sobre si próprio, o que primeiro descobre é uma contradição. Seria ocioso procurar, neste ponto, ser-se convincente. Ninguém, há séculos, deu uma demonstração mais clara e mais elegante do caso do que Aristóteles: "A consequência, muitas vezes ridicularizada, dessas opiniões é que elas se destroem a si próprias".


Porque, se afirmarmos que tudo é verdadeiro afirmamos a verdade da afirmação oposta, e, em consequência, a falsidade da nossa própria tese (porque a afirmação oposta não admite que ela possa ser verdadeira). E, se dissermos que tudo é falso, essa afirmação também é falsa. Se declararmos que só é falsa a afirmação oposta à nossa, ou então que só a nossa e que não é falsa, somos, todavia, obrigados a admitir um número infinito de juízos verdadeiros ou falsos.


Porque aquele que anuncia uma afirmação verdadeira, pronuncia ao mesmo tempo o juízo de que ela é verdadeira, e assim sucessivamente, até ao infinito.

Albert Camus, O Mito de Sísifo

Porque ou sentimos ou não vale a pena.

Bom dia.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

E por vezes...

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.

David Mourão Ferreira


Palavras mágicas.


[O herdeiro, com três anos, já as sabe de cor. Devíamos ser todos assim: aprendê-las em miúdos e nunca mais as esquecer.]  

Thursday morning.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A banda sonora da minha noite...

Poema à boca fechada.

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.
Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.
 

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais boiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.
 

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.


José Saramago



Working day.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Carnaval.

Truque da Polaroid

olhou-o dormir
escorregou por entre-lençóis-quentes, virou-o
a respiração coalhava pelas costas, ele finge dormir
solta um ligeiríssimo e desordenado resfolegar, ao sentir o sexo retirar-se...

...amanhã nem sequer falaremos disto
dormimos

outros dias em que a solidão é mais cruel olha-o só
sentado aqui no meio do quarto
frente aos textos emendados, remediados, remendados
ferido, ele masturba-se
depois acorda-o, conta uma história qualquer, beija-o
sorri-lhe com os lábios a tremerem de abelhas
...ele continua a dormir, indiferente ao mel

vagueio pela casa
rente aos ângulos estreitos dos corredores, sem saber por onde fugir-me...


Al Berto

Si me muero.

Si me muero, que me muera
con la cabeza muy alta.
Muerto y veinte veces muerto,
la boca contra la grama,
tendré apretados los dientes
y decidida la barba.


Cantando espero a la muerte,
que hay ruiseñores que cantan
encima de los fusiles
y en medio de las batallas.


Miguel Hernández (excerto do poema Vientos del pueblo me llevan)


domingo, 19 de fevereiro de 2012

A banda sonora da minha noite...


There's a place for us,
Somewhere a place for us.
Peace and quiet and open air
Wait for us
Somewhere...

There's a time for us,
Some day a time for us,
Time together with time to spare,
Time to look, time to care,
Some day!

Somewhere,
We'll find a new way of living,
We'll find a way of forgiving
Somewhere...

There's a place for us,
A time and place for us.
Hold my hand and we're halfway there.
Hold my hand and I'll take you there
Somehow...
Some day...
Somewhere...

Carnaval [em modo privado].

Divagações dominicais.

Sunday Morning.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Programa da noite.

As lágrimas do poeta

Um poeta barroco disse:
As palavras são
As línguas dos olhos
Mas o que é um poema
Senão
Um telescópio do desejo
Fixado pela língua?
O voo sinuoso das aves
As altas ondas do mar
A calmaria do vento:
Tudo
Tudo cabe dentro das palavras
E o poeta que vê
Chora lágrimas de tinta.


Ana Hatherly

imagem de Grovybab.

Finalmente.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Quadrilha.

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.


Carlos Drummond de Andrade 

Definições.

Recomeço.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Já não me importo

Já não me importo
Até com o que amo ou creio amar. 

Sou um navio que chegou a um porto
E cujo movimento é ali estar.
Nada me resta
Do que quis ou achei.
Cheguei da festa
Como fui para lá ou ainda irei ...Indiferente
A quem sou ou suponho que mal sou,
Fito a gente
Que me rodeia e sempre rodeou,
Com um olhar
Que, sem o poder ver,
Sei que é sem ar
De olhar a valer.
E só me não cansa
O que a brisa me traz
De súbita mudança
No que nada me faz.


Fernando Pessoa

Refúgio.

Dia não.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Bons sonhos.

Now I lay me down to sleep,
I pray the Lord my soul to keep,
If I should die before I wake,
I pray the Lord my soul to take.
If I should live for other days,
I pray the Lord to guide my ways.