terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Diante do pôr-do-sol.

Temos estas palavras. Agora, é aqui que estamos. Reparaste que utilizo a primeira pessoa do plural, nós, refiro-me, claro, a ti e a mim. Talvez haja outras pessoas a ler este texto mas, agora, neste preciso agora, só podemos ter a certeza acerca de nós, somos os únicos aqui. Eu sei que os nossos corpos estão em algum lugar específico, localizável por GPS, é possível que esteja uma temperatura perfeita nesse lugar, os milagres da climatização, mas também é possível que entre uma aragem gelada pela janela aberta, pela janela aberta do carro,também é possível que esse lugar seja ao ar livre. É possível, mas é pouco importante porque, agora, neste preciso agora, estamos aqui. A nossa atenção está toda nestas palavras.

Alguns, vários, passaram também por aqui, demoraram-se apenas durante quatro ou cinco linhas do início. Depois, tentando reter a a informação essencial, agarraram-se a uma ou duas linhas do meio e do final, infelizmente para eles, nem sempre a informação é o mais essencial. E, dessa forma, não chegaram a sentir aquilo que possuímos por estar aqui, aquilo que realmente importa: este tempo.

Repara na forma como passa este tempo lido. Temos muitas oportunidades para respirar. Se quisermos, apenas pela vontade do nosso entendimento, podemos alongar as palavras para fazer caber nelas os nossos caprichos mais lânguidos. Podemos também, sem pressa, demorarmo-nos na pontuação. Não temos horário rígido para chegar ao ponto final. Quanto lá chegarmos, o mundo estará todo à nossa espera. A propósito, onde está esse mundo enquanto lemos estas palavras?

Espero que tenhas desligado o telemóvel ou, pelo menos, espero que ninguém te ligue. O mundo, esse mundo cronometrado, aqui, é menos do que o horizonte que formos capazes de levantar através da nossa capacidade de imaginar, por exemplo, um pôr-do-sol. Aproveita bem este privilégio que possuímos, vou tentar aproveitá-lo contigo, ainda temos uma boa quantidade de tempo para permanecer aqui, nestas palavras. Olha lá para longe, o sol tão pesado, de cor tão madura, mel, o sol a esforçar-se para segurar os seus contornos, mas a transbordar de si mesmo, a descer a um ritmo que não conseguimos apreender completamente e que, no entanto, ninguém pode impedir. Aproxima-se cada vez mais do horizonte, irá tocá-lo, não tardará a tocá-lo. Temos agora consciência deste instante. E o sol toca o horizonte. Primeiro, fica pousado sobre ele, duas linhas que se tocam, sol e horizonte, um linha e um círculo ardente; depois, a terra abre-se para recebê-lo, o sol entra muito devagar no lugar que lhe pertence, como se quisesse proteger-se, como se regressasse. Mas, mais tempo, e o sol desaparece. Sobre o horizonte, fica o clarão de um sol que existiu, todo o tamanho do passado. E nós ainda estamos aqui, estas palavras. Ainda não sabemos o que acontecerá depois.

José Luís Peixoto, na revista Espiral do Tempo, Inverno 2011.

imagem vista aqui.

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