terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Síria, um massacre caucionado.

Mais de cinco mil civis mortos desde Março. Mais de 14.000 detidos. Só na passada sexta-feira, terão sido 200 as baixas entre a população civil da localidade de Homs. Na madrugada de ontem, em poucas horas, a cidade foi bombardeada com mais de 300 "rockets", num dos dias mais violentos da sua história. “Não há refúgio possível”, dizem os sobreviventes, que incendeiam o lixo das ruas na tentativa de confundir os sensores dos mísseis do exército.

É assim o regime da Síria: um algoz sem piedade para com os seus próprios filhos. O jornalista da BBC Paul Wood, o único que até agora conseguiu infiltrar-se no meio dos habitantes daquele bastião da resistência ao regime de Bashar al-Assad, fala em verdadeiro desespero das populações. A coisa não é para menos.

Apesar de haver já um sem número de ex-militares do regime que se passaram para o lado dos rebeldes, ajudando a formar o Exército Livre da Síria, o cenário naquele país do Médio Oriente é de verdadeira guerra civil e sem fim pacífico à vista.

A generalidade da comunidade internacional condena estes massacres, os Estados Unidos da América falam em resolução do conflito com base no diálogo interno e fecharam a Embaixada em Damasco, a França e a Inglaterra já manifestaram apoio aos rebeldes, ao passo que a Rússia e a China querem marcar posição e vetaram a resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que propunha que al-Assad aceitasse um plano de transição do poder. Moscovo e Pequim, sob a capa do argumento da não ingerência em assuntos internos de outros países, caucionam desta forma a continuação dos massacres às populações indefesas.

Esta terça-feira mesmo, Sergei Lavrov (ministro russo dos Negócios Estrangeiros) e Mikhail Fradkov (chefe dos serviços de inteligência da Rússia) estão em Damasco para se encontrarem com al-Assad. Os chineses parecem mais discretos, por enquanto.

Com fortes interesses instalados na região (grandes contratos de concessões petrolíferas), russos e chineses querem evitar a todo o custo que a situação síria fuja do seu controlo, como aconteceu, por exemplo, na Líbia. É certo que o regime de Khadafi estava podre e esburacado, ao contrário do de Bashar al-Assad, solidamente assente num punho de aço. Mas o facto de os rebeldes terem prometido o “ouro negro” à França e ao Reino Unido faz toda a diferença.

Além disso, a tomada do controlo do poder na Síria por parte dos rebeldes colocaria em causa o papel do Irão naquela zona do globo. Não apenas pelo petróleo, que possui e que serve de “arma” de chantagem, como também pelas suas pretensões bélicas nucleares.

Qual a relação entre uma coisa e outra? Sem pretender deixar a velha ideia de que “isto anda tudo ligado”, ou de uma qualquer teoria barata da conspiração, é importante recordar que a Síria é comandada pela minoria Alawite, apoiante feroz do Hezbollah e do Hamas; que, como é sabido, recebem muitos milhões de dólares do Irão para atacarem interesses ocidentais e israelitas: caso a maioria Sunni (rebeldes) tome o poder em Damasco, o Hezbollah e o Hamas ficam mais vulneráveis face ao sedento exército israelita – Síria e Israel estão em conflito, aberto ou latente, desde 1948.

Por detrás da cortina, os Estados Unidos rezam para que o Irão fique isolado na região e, assim, seja mais justificável uma acção militar contra Teerão, mesmo que por interposto país: na semana passada, surgiram notícias de planos militares de ataque de Telavive a centrais nucleares iranianas.

Com as mãos manchadas de sangue, o regime sírio está cada vez mais isolado na região e no mundo, agarrando-se ainda e sempre aos “amigos” russos e chineses. Porém, a queda deste regime torcionário parece inevitável. Resta saber é quantos mortos serão ainda precisos.

Publicado hoje, no P3.


imagem do filme A Noiva Síria, de Eran Riklis (2004).


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