segunda-feira, 30 de abril de 2012

A banda sonora da minha noite...



Explicação da Eternidade.

devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo.


os assuntos que julgámos mais profundos,
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.


por si só, o tempo não é nada.
a idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.


os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu sorriso eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.


foste eterna até ao fim.

José Luís Peixoto, A Casa, A Escuridão

Começo de semana.

sábado, 28 de abril de 2012

Sábado.

Lá fora, há um ocaso, obscura jóia
engastada no tempo,
e uma recôndita cidade cega
de homens que não te viram.
A tarde cala ou canta. 
Alguém descrucifica os ansios
cravados no piano. 
Sempre a abundância da tua beleza 
A despeito do teu desamor, 
a tua beleza
prolonga o seu milagre pelo tempo. 
A felicidade mora em ti tal 
como a Primavera numa folha nova.
Não sou quase ninguém, 
sou apenas o anseio que se perde na tarde. 
Em ti mora o prazer
tal como a crueldade nas espadas.  

Carregando as persianas vem a noite.
Na sala tão severa,
como cegos, procuram-se uma à outra as nossas solidões,
Sobreviveu à tarde
a brancura gloriosa da tua carne.
No nosso amor há uma pena
parecida com a alma. 

Tu
que ainda ontem eras só toda a beleza
és agora também todo o amor. 

Jorge Luís Borges

Saturday morning.

foto de Milton H. Greene, Marilyn Monroe.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

O invisível a preto e branco.

Sinto ternura pelos actores de filmes portugueses dos anos trinta e quarenta. É uma ternura branda, que se alastra pelas coisas e, como o pôr-do-sol, se cola à paisagem. Por via desse sentimento, os actores de filmes portugueses dos anos trinta e quarenta pertencem-me um pouco. Por essa mesma via, também eu lhes pertenço. Somos contemporâneos nesse sentimento, temos longas conversas dentro dele. 

Nesse convívio, eles articulam cada palavra com cuidado. As frases mais simples são esculturas, moldadas sílaba a sílaba pela pronúncia de Lisboa, entre a Estrela e Campo de Ourique. Os actores de filmes portugueses dos anos trinta e quarenta, encontram-se nas mesas de uma pastelaria, pedem garotos de limão e bolos de arroz. Ouvi dizer que, aos domingos, se juntam em bailes, matinés onde os senhores estendem a mão às senhoras e lhes pedem a honra da próxima dança. Nunca assisti a esses bailes, mas não me é difícil imaginá-los, leves, a flutuarem aos pares, com os corpos a dois palmos de distância, mas com as mãos juntas, pele. 

Uma vez, há alguns anos, quis mostrar um desses filmes a uma amiga croata que tinha aprendido português. Ela falava bastante bem, cantava canções portuguesas no duche. Talvez por isso, escolhi A Canção de Lisboa, que clássico, Vasco Santana, Beatriz Costa, Ribeirinho, o primeiro filme sonoro português. Sentámo-nos no sofá, à meia-luz. Eu comecei a emocionar-me logo no genérico: os nomes, o tipo de letra, os tons de cinzento. E a música, melodia/felicidade. Falando de melodia, é possível falar-se de perfeição. A melodia transporta um sentido próprio que preenche os momentos, que os harmoniza. Nessa tarde, de estores baixos, os actores surgiram no ecrã da televisão a trocarem sorrisos, bem dispostos. Logo nas primeiras cenas, ao escutar frases que sabia de cor, frases que antecipava palavra a palavra, comecei a reparar que a minha amiga croata não se ria, não sorria sequer. O Vasco Santana dava o seu melhor e ela olhava-o indiferente. Decidi esperar dez minutos. Quando passaram, decidi esperar mais dez. Ao longo desse tempo, a minha amiga continuou impávida, com um ar de tédio ligeiro. 


Não tenho explicações definitivas. Talvez o humor desses filmes assente muito na escolha de palavras, nos trocadilhos com a língua e com a pronúncia; talvez as referências à realidade do país sejam muito específicas; talvez haja outras razões que não sou capaz de enumerar. Aquilo que é certo, já o comprovei mais vezes, é que os filmes portugueses dos anos trinta e quarenta não tocam esse público que não é português ( x = 7 mil milhões - 10 milhões). 

É pena. Não é pena para esse x de milhares de milhões de pessoas que não sabem o que perdem, é pena para esses actores dos filmes portugueses dos anos trinta e quarenta, com cara de bonecos, estereotipadamente cómicos, a sentirem talvez que a sua cortesia foi em vão. Não foi. Por isso, rio-me mil vezes da mesma piada, ensino-a aos meus filhos e, se encontro algum actor dos filmes portugueses dos anos trinta e quarenta junto a uma passadeira, dou-lhe o braço e, devagar, ao seu ritmo, ajudo-o a atravessar a rua. 

José Luís Peixoto, (publicado na revista UP - revista de bordo dos voos da TAP, de Março de 2012)
lido aqui.

Para Helena, a admirável.


Um sentido abraço.

Dúvida metódica.


a página seguinte.

a página seguinte está em branco
mas lembro-me que te agarrei a mão e disse:
todos os cigarros do mundo são para ti

al berto


 

quinta-feira, 26 de abril de 2012

A banda sonora da minha noite...


Gostava de morar na tua pele.

Gostava de morar na tua pele
desintegrar-me em ti e reintegrar-me
não este exílio escrito no papel
por não poder ser carne em tua carne.

Gostava de fazer o que tu queres
ser alma em tua alma em um só corpo
não o perto e o distante entre dois seres
não este haver sempre um e sempre o outro.

Um corpo noutro corpo e ao fim nenhum
tu és eu e eu sou tu e ambos ninguém
seremos sempre dois sendo só um.

Por isso esta ferida que faz bem
este prazer que dói como outro algum
e este estar-se tão dentro e sempre aquém.


Manuel Alegre, Sete Sonetos e um Quarto

Almoço.

Recomeço.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Grândola, vila morena.


Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade

Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena

Em cada esquina, um amigo
Em cada rosto, igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade

Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto, igualdade
O povo é quem mais ordena

À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola, a tua vontade

Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade 


Dia da Liberdade.

25 de Abril.

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen

 

Memória.

terça-feira, 24 de abril de 2012

A banda sonora da nossa noite...

Escola da Fontinha: e o despacho, senhor presidente?

Quem aceder esta terça-feira ao portal da Câmara Municipal do Porto (CMP) encontrará, logo na página inicial, uma notícia publicada segunda-feira sobre a Escola da Fontinha. Consultada a notícia, o leitor terá acesso, ainda, a dois vídeos: um contendo imagens alegadamente recolhidas aquando do “despejo coercivo” levado a cabo pela polícia há quase uma semana; um segundo, já conhecido de muitos e da autoria dos “Anonymous”, no qual este grupo manifesta, à sua maneira, solidariedade para com o Projecto Es.Col.A.

Abstraindo do conteúdo dos vídeos (o primeiro dos quais sem indicação expressa da data e hora em que foi filmado e o segundo sem qualquer ligação ao Es.Col.A., que se demarcou claramente quer do vídeo, quer do seu conteúdo), a notícia da CMP, em forma de comunicado justificativo, especula demasiado e esclarece pouco.

Desde logo, em vez de apresentar o ponto de vista da câmara na decisão tomada, o texto refugia-se em acusações ao Movimento, aos seus membros e, mais grave, à qualidade, seriedade e intenção do Projecto Es.Col.A. É a utilização da velha táctica de reacção – quando não se podem atacar as ideias, atacam-se as pessoas. Mas cai mal, porque tenta desviar as atenções do essencial e, sobretudo, porque não é verdade.

Além disso, a notícia não traz nenhum elemento novo que permita justificar ou ajudar a esclarecer a actuação da CMP neste processo. A defesa da câmara tem de assentar, em todas as circunstâncias, e particularmente nesta, no rigoroso cumprimento da legalidade. Por isso, mais do que divulgar vídeos, é importante que a Câmara mostre, aos portuenses e ao país, o despacho que motivou a actuação da polícia na passada quinta-feira.

Onde está esse despacho? Segundo a lei, a decisão de proceder à execução administrativa de qualquer ordem tem de ser, necessariamente, notificada ao destinatário dessa ordem, antes mesmo de a execução ser iniciada. Ora, segundo se sabe, nem no passado dia 19 de Abril nem até ao momento tiveram os membros do Es.Col.A. conhecimento do despacho no qual a câmara terá ordenado a desocupação coerciva da Escola da Fontinha.

Qual é a fundamentação do despacho? A 13 de Março de 2012, a Assembleia Municipal do Porto — órgão representativo dos munícipes — recomendou à CMP a suspensão da ordem de despejo da Escola da Fontinha. Tendo a CMP decidido em sentido contrário à dita recomendação (e podia, já que as recomendações não são vinculativas), cabe-lhe, no entanto, um especial dever de fundamentação dessa decisão, sob pena de a mesma ser inválida. Advertências — ou mesmo ameaças — não são justificação para a prática de um acto administrativo. Suspeitas ou dúvidas não esclarecidas sobre a vocação do Movimento Es.Col.A., também não.

É urgente que a CMP responda a estas questões. É importante que se analise o despacho camarário e que se verifique a existência de fundamentação adequada no mesmo. Para que se esclareça se, não obstante a falta de tacto político (evidente e incontornável), a câmara, ainda assim, terá cumprido a lei.

publicado hoje, no P3.

Até sempre, Miguel.


Miguel Sacadura Cabral Portas
(Lisboa, São Sebastião da Pedreira, 1 de Maio de 1958 - Antuérpia, 24 de Abril de 2012)

Hoje, Portugal perdeu um dos seus mais insígnes pensadores. Um Homem valoroso, corajoso e interessante. Um Homem de ideais e de sonhos. Um lutador da liberdade.
Estamos todos mais pobres. 
Até sempre, Miguel.

Meditação preparativa.

The Laughing Heart

your life is your life
don’t let it be clubbed into dank submission.
be on the watch.
there are ways out.
there is a light somewhere.
it may not be much light but
it beats the darkness.
be on the watch.
the gods will offer you chances.
know them.
take them.
you can’t beat death but
you can beat death in life, sometimes.
and the more often you learn to do it,
the more light there will be.
your life is your life.
know it while you have it.
you are marvelous
the gods wait to delight
in you.

Charles Bukowski

À espera.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

sábado, 21 de abril de 2012

Tarde de leitura.



Há sãos e doentes, pobres e ricos, desde que o mundo é mundo. Podemos aliviar a pobreza, tentar uma distribuição equitativa dos bens, refrear o egoísmo, a avidez e a especulação, mas não se pode esperar transformar os inaptos em génios usando simplesmente a educação, a quem é duro de ouvido não se pode ensinar que existe uma música divina no espírito humano, nem se conseguirá jamais converter à generosidade os ávidos e cobiçosos.

Sándor Márai, A Mulher Certa.

[talvez não possa. mas é pena.]

sexta-feira, 20 de abril de 2012

O "despejo" de Rui Rio.

20 de Abril de 2012, no Porto. Passam poucos minutos das 18h40. No Largo da Fontinha, quase duas centenas de pessoas esperam ordeiramente pelo início da 46.ª Assembleia do Projecto Es.Col.A.

Ao contrário de tantas já realizadas, nesta reunião não se discutirão os projectos em curso, nem o andamento das actividades, nem as tarefas levadas a cabo por cada um dos grupos de trabalho. Não. Esta sexta-feira, passadas pouco mais de 24 horas sobre o desalojamento forçado do Es.Col.A das instalações da Escola da Fontinha, esta Assembleia vai decidir quais as iniciativas a tomar nos próximos dias. O objectivo último está na mente de todos: a reocupação do espaço que, sendo embora propriedade da Câmara Municipal do Porto, pertence verdadeiramente aos moradores do Bairro e a todos aqueles que, desde há um ano, têm usado e permitido que o local seja usado em benefício da comunidade.

Iniciada a reunião, e de forma pacífica, os participantes vão tomando a palavra. Ouvem-se, na primeira pessoa, os depoimentos de moradores e de membros do movimento. Esta gente fala, de coração aberto, sobre a riqueza e o engrandecimento que o projecto trouxe à vida de cada um deles, e relata, com emoção, a tristeza e o desalento que ainda ontem, quinta-feira, sentiu, ao olhar a destruição de tudo quanto, durante um ano, foi erguido com e pela comunidade.

São muitas as propostas apresentadas. São muitas mais as vozes corajosas daqueles que continuam a acreditar que é possível levar avante este sonho. Todos de acordo quanto à necessidade de se reocupar a Escola da Fontinha tão breve quanto possível. Alguém avança com o dia 25 de Abril para a concretização do desiderato — o simbolismo da data ganha, nesta Assembleia, uma nova força, decorrente da sensação de castração sentida quinta-feira. Apela-se à mobilização da cidade. Nem uma voz dissonante. Nenhuma reticência ou hesitação.

Retive, no longo pedaço em que lá estive, a organização espantosa de todo aquele movimento, ainda que sem uma liderança assumida. Impressionou-me o pacifismo de todos os presentes — sem que isso significasse, em momento algum, passividade — e a seriedade de propósitos que transpareceu. Tocou-me a coragem e a firmeza daquela gente, que continua a acreditar que este projecto é possível, apesar de todas as contrariedades e obstáculos. Guardei, como exemplo, a resiliência de tantos na prossecução do objectivo.

Naquele largo, esta sexta-feira, creio bem que, como alguém disse, pode ter sido iniciado “o despejo de Rui Rio”.

Publicado, há pouco, no P3.

As maravilhas da maternidade.

«Mamã, fiz um doi-doi no colégio! Olha, tenho um penso no dedo e tudo!»
«Oh, F., onde fizeste isso?»
«Foi no Paulinho Valente!»
«Onde???»
«No Pau-li-nho Valente, Mamã!»


[O dito é, com mais propriedade, o polivalente lá do colégio...]


O programa do meu fim de tarde.


 
"Durante cinco anos a Escola da Fontinha esteve abandonada, a degradar-se por uma Câmara Municipal do Porto esquecida. Há pouco mais de um ano, um grupo de activistas ocupou o espaço e começou a recuperá-lo. Entretanto, depois de um despejo e muita pressão popular, o projecto Es.Col.A. voltou à Escola do Alto da Fontinha.
Gerida colectivamente pelos activistas e pela população, o Es.Col.A. foi um espaço onde o sentido de comunidade renasceu, onde se disponibilizava livre e gratuitamente apoio educativo, aulas de yoga e xadrez, capoeira, música, cozinha comunitária, teatro, oficinas de estudos artísticos e muito mais.
A polícia, a mando da Câmara Municipal do Porto, despejou
[ontem, 19 de Abril de 2012] violentamente os activistas que se encontravam na Escola da Fontinha, destruindo todo o material que estava até agora ao acesso da população – livros, computadores, móveis, cozinha, brinquedos, bicicletas – TUDO.
Esta atitude vem confirmar aquilo que há muito já sabíamos: a Câmara Municipal do Porto prefere um espaço abandonado e devoluto a um espaço onde tudo seja gerido colectivamente pela população e onde se prove que um mundo de solidariedade e entre-ajuda é possível ser construído."
Hoje, às 18:30h, no Largo da Fontinha, no Porto, vai realizar-se a 46.ª Assembleia do Es.Col.A, aberta a todos.
Eu vou.
mais informações, aqui.

Esta Gente.

Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome

E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo.


Sophia de Mello Breyner Andresen, Geografia.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Os ideais não se despejam.



O Porto tem muitos bairros. Um deles é conhecido como o Bairro da Fontinha. Como em tantos outros bairros por esse país fora, neste também existem edifícios, públicos e privados, abandonados e em ruínas. Um desses prédios lá do bairro é, por acaso, uma escola primária (fechada há cerca de cinco anos), onde o lixo, a falta de conservação e o abandono evidente transmitiam uma imagem desoladora. Há pouco mais de um ano, um grupo de pessoas, cansado de tanta exclusão, de tanto desleixo e de tanta marginalidade, resolveu ocupar a escola. Não pediu autorização a ninguém. Entrou simplesmente, num domingo à tarde.

Autodenominou-se Espaço Colectivo Autogestionado do Alto da Fontinha e foi criando um projecto de dinamização daquele espaço – o Projecto Es.Col.A. Os seus membros limparam, pintaram e recuperaram. Organizaram grupos de trabalho para diversas áreas, desenvolveram inúmeras actividades e devolveram a escola aos seus verdadeiros donos – as gentes do bairro.

Esta manhã, a Polícia de Segurança Pública do Porto, executando uma ordem de despejo da Câmara Municipal do Porto (CMP), forçou a desocupação da Escola da Fontinha. O que se passou durante esta quinta-feira foi amplamente relatado nas televisões e nas redes sociais: a desproporcionalidade da força policial enviada para a escola (cerca de 100 agentes) para o número de activistas e de moradores “resistentes” (pouco mais de 30); os confrontos; as detenções; o desmantelamento da escola, a retirada do mobiliário e dos equipamentos; os protestos e as manifestações.

Estive esta quinta-feira, ao início da tarde, junto da CMP. Vi muita gente nova, com tambores que, bem alto, iam percutindo. Vi também pessoas adultas com o mesmo sentimento de revolta dos mais novos face ao sucedido. Falei com alguns dos manifestantes. Senti-lhes a tristeza na voz, o desalento pela incompreensão da Câmara. Caminhei no meio deles, ouvi as frases de ordem, li os textos indignados nos cartazes improvisados em caixas de cartão.

Um dos manifestantes perguntou-me o que diziam os meios de Comunicação Social sobre o que estava a acontecer – a grande preocupação era a de que se percebesse bem que o que estava a ser feito contava com o apoio da população do bairro.

Nenhum dos manifestantes usava fato e gravata. Nem um dos manifestantes trazia consigo uma pasta de couro. Mas, do que vi, ouvi e senti, não precisavam disso para nada. Muito mais do que a imagem que transmitimos, é aquilo que fazemos que revela quem nós somos.

Este movimento “autónomo, autogestionado, livre, não discriminatório, não comercial e aberto a diferentes actividades”, fez o Bairro da Fontinha voltar a ser um bairro, com solidariedade, com apoio social e comunitário, onde jovens, adultos e idosos se sentem amparados, confortados e protegidos. Estes ideais, por muito que tentem, não se podem despejar.

O meu relato pessoal do que se passou hoje no Porto, publicado no P3.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Mais te valera.

Mais te valera, nu e sem defesa,
Ter nascido em aspérrima solidão,


Ter gemido, ainda infante, sobre o chão
Frio e cruel da mais cruel devesa,
Do que embalar-te a Fada da Beleza,
Como embalou, no berço da ilusão!

Antero de Quental

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Definições.

Aprendizagem.

A palavra mágica.

Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.


Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.


Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.



Carlos Drummond de Andrade

Recomeço.

A banda sonora da minha noite...




sexta-feira, 13 de abril de 2012

O Beijo.

Congresso de gaivotas neste céu
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
Querela de aves, pios, escarcéu.
 
Ainda palpitante voa um beijo.

Donde teria vindo! (Não é meu...)

De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
Mandado de captura ou de despejo?

É uma ave estranha: colorida,

Vai batendo como a própria vida,
Um coração vermelho pelo ar.

E é a força sem fim de duas bocas,

De duas bocas que se juntam, loucas!
De inveja as gaivotas a gritar...

Alexandre O'Neill, No Reino da Dinamarca


O caso do "dread" que abriu a porta ao “betinho”.

Quem já viu a série “South Park” sabe bem como é que boa parte dos norte-americanos vê os vizinhos de cima (os canadianos): estranhos, porque demasiado educados, até falam mais do que uma língua e são, sobretudo, “quadrados”. Ok, está bem visto este humor cáustico da dupla Trey Parker e Matt Stone, mas fica no ar assim uma espécie de cobiça intelectual — ou talvez seja apenas divertido gozar com o vizinho. Mais ou menos como o “dread” que goza com o “betinho” da casa ao lado…

Deve, pois, ter sido com um certo nó na garganta que o multimilionário norte-americano Donald Trump, organizador do Concurso Miss Universo, teve de aceitar a inscrição da canadiana Jenna Talackova. Eleita Miss Canadá, a senhora inscreveu-se, naturalmente, para a corrida ao lugar de mulher mais bonita do mundo. O problema, para a organização de Trump, é que ficou a saber-se que Talackova, afinal, nasceu homem. Ora, o regulamento especificava que as concorrentes deviam ter nascido mulheres de forma natural; logo, a canadiana não podia ser aceite como concorrente, certo?

Jenna Talackova achou injusta a decisão dos organizadores e, depois de uma batalha no tribunal, conseguiu ver a sua candidatura aceite e vai poder estar em frente ao jurado para a eleição de Miss Universo. Paula Shugart, presidente da organização do concurso, disse depois que esta entidade tem “uma longa história de apoio à igualdade para todas as mulheres e isso é algo que levamos muito a sério”. Bom, se assim fosse, o recurso ao tribunal era desnecessário… Mas, adiante.

Em Portugal, só há cerca de um ano (a 15 de Março de 2011, mais precisamente) é que entrou em vigor a Lei da Identidade de Género (lei nº 7/2011). Desde então, Portugal permite a alteração de sexo e de nome próprio de todos os maiores de idade, de nacionalidade portuguesa e que não se mostrem interditos ou inabilitados por anomalia psíquica, a quem seja diagnosticada perturbação de identidade de género (deve ser exibido o competente relatório clínico multidisciplinar). O pedido pode ser feito em qualquer Conservatória do Registo Civil, bastando que seja apresentado um requerimento de alteração de sexo com indicação do número de identificação civil e do nome próprio da futura identificação.

Dados do Ministério da Justiça dão conta de que, em 2011, houve cerca de 80 alterações de sexo e de nome no registo civil: 32 mulheres e 44 homens. Um salto em frente numa sociedade tradicionalmente avessa a “corpos estranhos” no seu feixe habitual de ideias. Com a Lei da Identidade de Género, separou-se o procedimento cirúrgico e hormonal da questão jurídica, que levou muitos transexuais a esperar anos a fio por uma decisão do Estado quanto à sua vontade (legítima) de alteração de género.

Caster Semeneya ficou conhecida no mundo por se julgar que esta atleta da África do Sul seria um homem. Testes de ADN comprovaram que “apenas” é portadora de uma particularidade cromossomática que lhe confere características masculinas e femininas. Jenna Talackova vivia num corpo que não era o dela (então, dele) e muito menos saiu da série “South Park”. Donald Trump não é um “dread”, mas foi obrigado a abrir a porta ao “betinho” da casa ao lado… Assim se faça também por cá.


A minha crónica de ontem, no P3.


Dia Internacional do beijo.

O beijo, de Francesco Hayez (1859)

Sexta-feira 13.


O número treze (13) é o número natural que sucede o 12 e precede o 14. O número 13 é o sexto número primo (número divisível por 1 e por ele mesmo), depois do 11 e antes do 17. É o número atómico do Alumínio, um metal não magnético. 13 também são os capítulos do livro Arte da guerra de Sun Tzu e dos livros de geometria e matemática de Euclides Os Elementos. O número 13 é o sétimo número de Fibonacci, depois do 8 e antes do 21. Por superstição, o número 13 é um número atribuído ao azar em muitas culturas. Devido a essa tradição é costume em alguns países não haver andares com o número 13 nos prédios. Nas corridas de Fórmula 1, geralmente não existe o carro com o número 13. No entanto, o número 13, por estar presente nos dias de calendário, é muito explorado pela Astrologia e, embora oculto na Astronomia, é também muitas vezes parte integrante de alguns símbolos. Quem tem medo do número treze sofre de triscaidecafobia.

Fonte: Wikipédia.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Não incomodar.

Um dia vieram e levaram o meu vizinho que era judeu.
Como não sou judeu, não me incomodei.
No dia seguinte vieram e levaram o meu outro vizinho que era comunista.
Como não sou comunista, não me incomodei.
No terceiro dia vieram e levaram o meu vizinho católico.
Como não sou católico, não me incomodei.
No quarto dia, vieram e me levaram;
já não havia mais ninguém para reclamar.


Martin Niemöllerspan

Encontros fortuitos.

Variações sobre o mesmo tema.

Planos.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Veio ter Comigo hoje a Poesia.

Veio ter comigo hoje a poesia.
Há quantos anos? Desde a juventude.
Veio num raio de sol, num murmúrio de vento.
E a ilusão que me trouxe de uma antiga alegria
reinventou-me a antiga plenitude
que já não invento.

Fazia-lhe outrora poemas verdadeiros
em fornicações rápidas de galo.
Hoje não sou eu nunca por inteiro
e há sempre no que faço um intervalo.

Estamos ambos tão velhos — que vens fazer?
— a cama entre nós da nossa antiga função.
Nublado o olhar só de a ver.
E tomo-lhe em silêncio a mão.


Vergílio Ferreira

Legenda.



Hoje sabe-se o preço de tudo e não se sabe o valor de nada.
Oscar Wilde, O Retrato de Dorian Gray.

De regresso.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Sexta-feira da Paixão #6

Pietà

Vejo-te ainda, Mãe, de olhar parado,
Da pedra e da tristeza, no teu canto,
Comigo ao colo, morto e nu, gelado,
Embrulhado nas dobras do teu manto.

Sobre o golpe sem fundo do meu lado
Ia caindo o rio do teu pranto;
E o meu corpo pasmava, amortalhado,
De um rio amargo que adoçava tanto.

Depois, a noite de uma outra vida
Veio descendo lenta, apetecida
Pela terra-polar de que me fiz;

Mas o teu pranto, pela noite além,
Seiva do mundo, ia caindo, Mãe,
Na sepultura fria da raiz.

Lisboa, Cadeia do Aljube, Natal de 1939 -
Como se fosse ainda em S. Pedro de Roma.


Miguel Torga

Sexta-feira da Paixão #5


Miguelangelo, Pormenor de La Pietà (1499)


Sexta-feira da Paixão #4





Lacrimosa dies illa,
Qua resurget ex favilla
Judicandus homo reus.
Huic ergo parce, Deus:
Pie Jesu Domine:
Dona eis requiem. Amen.

Sexta-feira da Paixão #3

Salvador Dali, O Cristo de Saint Jean de La Croix (1951)

Sexta-feira da Paixão #2

CaravaggioA Coroação de Espinhos (1602-03)

Sexta-feira da Paixão #1


Andreas Mantegna, Oração no Jardim das Oliveiras (1460)