Lá fora, há um ocaso, obscura jóia
engastada no tempo,
e uma recôndita cidade cega
de homens que não te viram.
A tarde cala ou canta.
Alguém descrucifica os ansios
cravados no piano.
Sempre a abundância da tua beleza
A despeito do teu desamor,
a tua beleza
prolonga o seu milagre pelo tempo.
A felicidade mora em ti
tal
como a Primavera numa folha nova.
Não sou quase ninguém,
sou apenas o anseio
que se perde na tarde.
Em ti mora o prazer
tal como a crueldade nas espadas.
Carregando as persianas vem a noite.
Na sala tão severa,
como cegos, procuram-se uma à outra as nossas solidões,
Sobreviveu à tarde
a brancura gloriosa da tua carne.
No nosso amor há uma pena
parecida com a alma.
Tu
que ainda ontem eras só toda a beleza
és agora também todo o amor.
Jorge Luís Borges
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