terça-feira, 11 de outubro de 2011

Fidelidade

...Sei que o Leonel é fiel. Mas não sorrias Luísa. Ele é certamente fiel mas não a ti. Fiel ao filho, certamente. Fiel à hipoteca da casa. Fiel à prestação do carro. Fiel ao seu conformismo, ao seu medo de perder tudo.

É como o elefante do circo – pode a qualquer momento rebentar as correntes, libertar-se, mas tornou-se fiel à mão que o alimenta, até fiel à corrente que o prende. Habituou-se a ela. Já não tem noção da sua força. Já mal imagina que tem capacidade para se libertar e ser livre. Acomodou-se. Apenas se acomodou, Luísa. O Leonel não é um gato domesticado. É um animal bravio – acontece que ele já se esqueceu disso.

Nessa amnésia de uma natureza adormecida, permanece profundamente infiel a si próprio, a destilar negro. Traindo a sua índole e o seu sonho de ser pleno. Mas quando o instinto mais profundo e selvagem se revelar, não vai haver correntes que o segurem – vai partir. E para sempre! Para sempre, Luísa! Vais ver que é para sempre!...

João Morgado, Diário dos Infiéis

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