domingo, 26 de agosto de 2012

A justiça acima da vingança.

A 22 de Julho de 2011, a Noruega e todo o Mundo ficaram em estado de choque: um só homem, de 33 anos, assassinou bárbara e friamente 77 pessoas. Nos dias que se seguiram à tragédia, muito se soube sobre os pormenores horrendos dos crimes, sobre os seus fundamentos xenófobos e sobre a premeditação e o método utilizados pelo assassino.

A 24 de Agosto de 2012, decorrido pouco mais de um ano sobre o massacre, Andreas Breivik – o autor confesso dos atentados de Oslo e da Ilha de Utoya – conheceu a sua sentença, decidida por unanimidade pelos juízes que compuseram o Tribunal: passará os próximos 21 anos numa prisão de alta segurança, nos arredores de Oslo, e a pena poderá ser prorrogada indefinidamente se o assassino não abandonar as suas convicções xenófobas e for tido como socialmente perigoso.

Breivik foi considerado pelo Tribunal como “mentalmente são” e, por isso, imputável – essa era a grande questão a decidir, já que a autoria dos ataques sempre foi assumida. Considerado imputável, o extremista xenófobo foi condenado à pena máxima legalmente permitida pelo ordenamento jurídico norueguês; se tivesse sido considerado inimputável (um relatório psiquiátrico, elaborado no início do processo, considerou-o paranóico esquizofrénico), seria internado num hospital psiquiátrico para o resto da sua vida.

Apesar de uma declaração de inimputabilidade poder ter como consequência uma sanção de duração perpétua e, provavelmente, determinar o “esquecimento” da opinião pública relativamente a Breivik, uma sondagem recente, realizada pelo jornal Verdens Gang revela que cerca de 2/3 da população norueguesa pretendia ver o homem que abalou indelevelmente o seu país ser declarado “mentalmente são”, mesmo que isso lhe permita dar entrevistas e publicar livros, mantendo viva a memória de todo um povo.


Este sentimento, de justiça acima da vingança, revela muito sobre a nobreza do povo norueguês. Afinal, estamos perante um acto absolutamente abominável: na Ilha de Utoya, e em pouco mais de uma hora, o assassino disparou (segundo o que ficou provado) 121 tiros de pistola e 136 tiros de uma arma semi-automática, que ia recarregando em frente às suas vítimas, que esperavam sentadas para serem mortas. O desejo de castigo e sofrimento eterno para tão cruel algoz seria perfeitamente compreensível em todos quantos, até hoje, ainda não conseguiram perceber como teve este homem a coragem de praticar tal atrocidade. Mas este caso, a forma como o processo se desenrolou e o seu resultado, demonstram muito mais que isso.


Na verdade, demonstram antes de mais que os noruegueses acreditam na sua justiça. Assistiram à leitura da sentença cerca de 40 sobreviventes e familiares das vítimas, que ouviram, em silêncio, a pena aplicada a Breivik – nenhum suspiro, nenhum soluço; nenhuma exultação, nenhum lamento. Apenas um profundo respeito pelo Tribunal e uma aceitação sem reservas quanto à decisão dos juízes.



imagem daqui.
Mas não é apenas o povo norueguês que sai enaltecido deste desfecho. Também o sistema judicial norueguês deve ser elogiado, por ser confiável e sério. Recorde-se que o julgamento durou apenas 10 semanas, pouco mais de dois meses, tendo terminado e 22 de Junho deste ano. A sentença, com mais de 90 páginas, foi proferida em dois meses. Todo o processo fica, assim, concluído em pouco mais de um ano. Mas a rapidez da instrução e da decisão judicial não desconsiderou, em nenhum momento, a importância das vítimas e dos seus familiares nem o seu sofrimento. E, precisamente por isso, temos que, na sentença, são descritos com detalhe gráfico os pormenores dos crimes. Na sentença constam os nomes de cada uma das 69 vítimas da Ilha de Utoya (34 delas, com idades compreendidas entre os 14 e os 17 anos), cada uma das 8 vítimas mortais do atentado bombista no centro de Oslo e, ainda, cada uma das 8 pessoas que ficaram gravemente feridas na sequência destes assassinatos.



Não se trata de morbidez, mas de humanização das vítimas. É importante – é fundamental – que ninguém se esqueça de quem eram nem do que sofreram. Para que os que ficam possam seguir em frente, com a sua confiança no sistema jurídico reparada e com a certeza de que a ordem jurídica é inquebrantável, apesar de todas as violações que tenham lugar.



Uma das sobreviventes do massacre de Utoya, Emma Martinovic, teve o seguinte comentário ao conhecimento da sentença: “Agora, a vida pode verdadeiramente recomeçar.” A paz de espírito inerente a esta afirmação diz tudo. Que assim seja.

Publicado hoje, no Público.

2 comentários:

Rita Roquette de Vasconcellos disse...

o seu post arrepia
ainda bem

[MDB] Maria de Deus Botelho disse...

Obrigada, Helena.
Seja muito bem-vinda a este recanto.