Morreu-me um amigo. Rapaz da minha idade. Daqueles de que não se guarda uma única memória menos agradável, um ressentimento por pequeno que seja. Um tipo duma bondade desarmante, sempre pronto a descobrir algo de bom no mais refinado sacana. Morreu como viveu: sem um pingo de revolta contra a vida que tantas vezes o maltratou, nem contra o cancro que o devorou em meia dúzia de meses.
Deu o último suspiro nos braços da mãe. Quem o aqueceu quando nasceu, amortalhou-o. Não pode haver maior sofrimento. Toda a revolta, toda a tristeza, todo o desespero de quem o amou e tão cedo o perdeu é quase nada quando nós choramos por quem nos devia chorar.
Lembro-me sempre do meu avô, junto do meu tio morto, a gemer: “e agora, quem me leva?”
O único, o radical, o momento que muda definitivamente a nossa vida é o nascimento dum filho. E não, não é só por deixarmos de podermos ou não estar sós, de as consequências dos nossos actos deixarem de ser apenas nossas, mais que tudo é a consciência do tempo certo da nossa morte. Deixamos de fazer a contagem não em anos ou décadas, pedimos só que os nossos filhos nos sobrevivam. É provável que um filho traga a ilusão da eternidade, de alguma coisa nossa permanecer depois da nossa ida, mas a nossa racionalidade ou o nosso coração, eu sei lá, não nos deixa ir tão longe. Queremos apenas normalidade. Que no nosso leito de morte nos reste uma pequena e definitiva alegria: o meu filho fica.
Pedro Marques Lopes, aqui.
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