quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A cantiga do bandido


«As suas mudanças de atitude magoam-me. Tem algum prazer em se aproximar de mim para depois me fazer isto? Apreciaria muito mais a sua sinceridade. Não o incomodo mais. Se estiver enganada, perdoe-me. Serão os seus antecedentes e a minha carência que me viciam o raciocínio.»

 

Porquê? Porquê as palavras, porquê os gestos, porquê os carinhos e as atitudes?
Nada era necessário, de nada dependia um resultado que, em si mesmo, era inevitável.
Então porquê?
Não entendo as mensagens, não descortino razões para as confissões feitas, sussurradas ao ouvido, nem sequer vislumbro o alcance da amostragem feita quanto à vida privada, quando é tão cioso da sua privacidade...
Como sempre, acabou por desaguar tudo na mágoa do costume, na dor enorme que o peito nunca abarca e que transborda pelos meus olhos a jorros; esses, incapazes de conter a tormenta, rebentam num pranto silencioso, triste, perdido.
Mais uma vez, caí na belíssima "canção do bandido". Bandido conhecido, de outros assaltos, contra os quais já devia, há muito, ter colocado trancas no coração. Mas não.
De todas as vezes, penso que será diferente. "Desta vez é que é". Mas nunca é. Nunca.

As reaproximações não diferem muito. Uma mensagem subtil, um telefonema simpático, um convite irrecusável. E eu vou, deixo-me levar pelo chamamento, qual pescador encantado pelo canto da sereia. É sempre agradável, é sempre tranquilo, é sempre intenso. E acaba sempre, invariavelmente, do mesmo modo.
Então porque pensei eu que, desta vez, seria diferente?
Porque foram ditas palavras guardadas há muito; porque foram confessados sentimentos que se desconheciam; porque se revelaram factos que se pensaram terem sido diferentes. Atendendo a que nada disto era necessário para alcançar o fim pretendido - já que esse, como sempre, era inevitável - o coração (esse tonto...) acreditou na sinceridade de tudo.
As recordações que pensava subsistirem apenas na minha memória, afinal, pareciam brotar da sua boca, como se, na fotografia dos momentos, tivessem sido revelados dois exemplares da mesma foto. Até os medos, as ânsias, os desejos pareciam coincidir. A sintonia parecia ser total.
A evolução aconteceu, naturalmente. Os contactos adensavam-se, os mimos multiplicavam-se, os carinhos brotavam com naturalidade.
Até os cenários se foram alterando, passando a dar-se a conhecer ao outro o que de mais íntimo temos: a nossa casa, o nosso mundo, encerrado entre quatro paredes.
De repente, volta tudo ao início. As mentiras, as desculpas esfarrapadas, as combinações não cumpridas. o SILÊNCIO...
Sempre o silêncio... daquele que dói, mais eloquente que todas as palavras.
E o vazio. Fundo, oco e incomensurável.

[mais uma tentativa de prosa...]

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