«Toda a gente sabe que um poema é um composto de relâmpagos de linguagem que nos permite quebrar o vidro fosco do tempo e descrever as cores e a vibração das almas. Há quem prefira definir o poeta como aquele que condensa num mínimo de palavras a corrente contínua da experiência, a indefinição da personalidade humana e o choque frontal entre as circunstâncias externas e a temperatura íntima. Ciência metafísica da beleza, primeira e última – e sobretudo tão clínica. Há poemas que matam, poemas que curam. Alguns salvam e assassinam no mesmo verso – e esses, acreditem, são sempre poemas de amor. (…)
Eugénio de Andrade disse um dia: «Às vezes sinto-me tão desesperado que me sento a escrever como quem chora». O poeta chora como só no absoluto da adolescência se sabe: uma lágrima correndo do rosto para o coração, com pressa de se tornar fogo outra vez, outra guardada a ferros dentro dos olhos, fazendo do corpo um submarino e do mundo visível uma tempestade distante. Para chorar assim é preciso que a alma seja funda e cavada na rocha como o precipício da eternidade. O fim da juventude sucede quando os exércitos do bom senso aparecem ao redor das almas para as aplanarem, a poder de terra ou, nalguns casos, de cimento. E para nos fazerem perceber claramente o perigo desestabilizador dessas paixões que nos ateiam lágrimas e riso, cientistas e publicitários chamam «parceiros sexuais» aos amantes, namorados e apaixonados de todo o mundo. Querem que as pessoas comecem por se conhecer bem. Mas se o ser humano fosse vocacionado para o conhecido, acasalaria com irmãos, tios e primos, como os gatos. Que nem por isso, aliás, parecem particularmente íntimos uns dos outros.
Trata-se de um processo lento, profissional, quase imperceptível: um dia um amigo abandona-nos e encolhemos os ombros, um dia descobrimo-nos cáusticos por tudo e deslumbrados por nada, um dia a própria palavra deslumbramento nos dá vontade de rir, um dia a febre da melancolia transforma-se na enxaqueca do tédio, um dia chamamos pudor ao pavor e juramos que nunca mais havemos de chorar. (…)
O amor à poesia não se aprende – nada do que é verdadeiramente fundamental na vida se aprende – mas pode contagiar-se.»
Inês Pedrosa, excertos do prefácio do livro Poemas de Amor – Antologia de poesia portuguesa, 6.ª edição, Publicações D. Quixote, Lisboa, 2003.
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