terça-feira, 19 de outubro de 2010

Poema XX

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo, "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros ao longe."

O vento nocturno gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu desejei-a e, por vezes, ela também me desejou.

Em noites como esta tive-a nos meus braços.
Beijei-a tantas vezes sobre o céu infinito.

Ela quis-me e por vezes também eu a queria.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que já não a tenho. Sentir que a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela,
E o verso cai na alma, como no prado o orvalho.

Que importa que o meu amor não pudesse guardá-la!
Está estrelada a noite e ela não está comigo.

Isso é tido. Ao longe alguém canta. Ao longe.
Minha alma não se conforma com tê-la perdido.

Como para aproximá-la, o meu olhar procura-a.
Meu coração procura-a e ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquear as mesmas árvores.
Porém, nós já não somos os mesmos desses dias.

Já não a amo, é certo, mas quanto a amei!
Minha voz buscava o vento para tocar os seus ouvidos.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A sua voz, o seu corpo claro. Os seus olhos infinitos.

Já não a amo, é certo, mas talvez ainda a ame.
É tão breve o amor e tão longo o olvido.

Porque em noites como esta tive-a nos meus braços,
Minha alma não se conforma com tê-la perdido.

Embora esta seja a última dor que ela me causa,
E estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

Pablo Neruda

[Noite estrelada - Van Gogh]

Sem comentários: