domingo, 17 de outubro de 2010

Os fa(c)tos

«Os factos (...) não existem, são peças de loto que inventamos e encadeamos para nos sentirmos vitoriosos ou, pelo menos, seguros. Cada ser tem o seu segredo, cada amor o seu código intransmissível.» Inês Pedrosa, Nas Tuas Mãos.

Li esta frase no outro dia e fiquei a pensar nela.
Afinal, os advogados vivem de factos. Os factos são o essencial. Os que se provam, os que se presumem, os que se impugnam, os que permanecem na dúvida. Um facto (ou a ausência dele) pode mudar o sentido de uma argumentação, de uma alegação, de uma sentença.
O grande problema reside no facto (mais um...) de, pura e simplesmente, os factos serem uma fantasia, uma interpretação pessoal de acontecimentos vividos ou assistidos.
Não existem factos; o que temos - no dia-a-dia, nas histórias pessoais, nas acções judiciais - são versões (tantas quantas as personagens envolvidas) de uma mesma situação, nunca coincidentes e na maioria das vezes demasiado divergentes entre si para que uma pessoa que não esteve presente, que não foi parte envolvida, que não viveu ela própria o acontecimento consiga, claramente e sem dúvidas, entender tudo o que aconteceu.
Cada um dos envolvidos tem a sua visão da história. E a forma como interpretamos o que experimentamos está intimamente ligada com aquilo que somos, que vivemos, que sentimos e que queremos. Porque, quer queiramos quer não, as nossas circunstâncias pessoais influenciam a forma como pensamos, como agimos e, sobretudo, como interpretamos o que acontece. O que nos acontece a nós e o que acontece aos outros, sejam eles quem forem (ou se calhar, dependendo eles de quem forem).
Ou seja, os factos são aquilo que os nossos fatos deixarem que eles sejam.

[PS - É nestas alturas que eu me encho de tristeza ao pensar no empobrecimento que a minha querida língua vai ter quando formos todos obrigados a utilizar as regras resultantes do novo acordo ortográfico. Mas isso fica para outra altura. Já agora, e sem qualquer intuito publicitário (até porque não tenho nada a ver com a marca), mas por simples honestidade intelectual, a imagem foi retirada daqui.]

Sem comentários: