quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A Perda

«Levas contigo os sonhos que tive quando te inventei? Sempre quis que fosses a minha palavra para além do que dizia, o eco da minha voz ao longe, o meu não constante aos donos do mundo. Desejei-te sereno e revoltado, criativo e lúcido, corajoso e terno. Queria-te independente e próximo, criança e homem, alguém capaz de levar por diante as minhas ideias. Por vezes imaginei-te um rasto de mim, um pedaço do meu corpo a viver ao longe, um novo ser poucas vezes diferente do que eu ambicionei. Noutras ocasiões desenhei-te distante, mal te distinguia ao longe, ficava então só e à espera, o tempo havia de te fazer regressar para junto de mim.
(...)
        morte cerebral, infelizmente
foi assim que o médico me comunicou o teu fim. Era preciso esperar mais um pouco por razões que não percebi, só então estarias ao pé de mim pela última vez, poderia beijar-te e dizer adeus, não consegui na altura entender que jamais me vou separar de ti mesmo para além da tua morte...
(...)
Estou no teu funeral, a voz do padre sussurra que eras uma flor tão bela que o Criador a levou para o Jardim do Paraíso, ninguém poderá compreender a falta que me fazes e a raiva que sinto por te ter perdido, (...).
Não sei se a minha vida prossegue, agora que moro longe de ti.»

Daniel Sampaio, Vagabundos de Nós.



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