segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A cumplicidade

A paixão tem virtualidades extraordinárias: estarmos apaixonados torna-nos mais leves, mais soltos, mais felizes. O outro (o objecto do nosso encantamento) é perfeito, absolutamente fantástico e infinitamente superior a todos os outros. Só na sua companhia nos sentimos plenos, porque só ele nos preenche completamente.
Todavia, como todos os que já nos apaixonámos bem sabemos, ela (a paixão) passa, às vezes até demasiado rápido. E o que fica depois disso depende sobretudo daquilo que se foi construindo durante os intensos momentos de enamoramento mútuo. Pode ficar uma amizade, pode a paixão transformar-se em amor, ou pode tudo terminar, pura e simplesmente, da mesma forma - abrupta e arrebatada - como começou.
Em qualquer destes casos, aquilo que não é, de todo, garantido, é que se crie ou subsista entre ambos os ex-enamorados uma relação de cumplicidade. Conheço (conhecemos todos) casais que estão juntos há anos e não conseguem ser coniventes nas suas acções, não conseguem antever as reacções do outro, não conseguem antecipar-se nas palavras ou nos gestos.
De facto, a relação de cumplicidade é algo que, em qualquer tipo de relação, não se finge nem se disfarça: ou se tem ou não se tem. E revela-se por gestos tão simples como um cruzar de olhares, o completar a frase do outro ou um gesto coincidente.
Os que têm a felicidade de conseguir construir uma relação de cumplicidade - sejam amigos, colegas, amantes ou membros de um casal - têm um tesouro.
Ser cúmplice é estar unido por laços que nem a distância desata. Laços que se transformam em nós e que, por isso, já não é possível desatar. Nós que nem com a morte se desfazem.

«Há entre nós melhor do que um amor: uma cumplicidade.»
Marguerite Yourcenar, Fogos.


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